Título: Brasil quer ampliar poder de voto de emergentes nas decisões do FMI
Autor: Tatiana Bautzer
Fonte: Valor Econômico, 18/04/2005, Finanças, p. C8

O ministro da Fazenda, Antonio Palocci, pediu ontem que o Fundo Monetário Internacional (FMI) dê o primeiro passo e mude o cálculo de suas cotas para dar mais poder de voto a países emergentes, e defendeu a adoção de "supermaioria" de 70% dos votos para aprovar políticas das instituições multilaterais. Pela primeira vez, o FMI e Banco Mundial (Bird) discutiram propostas concretas para as mudanças. "É urgente que o Fundo dê o passo ousado de revisar o cálculo da cota. Com o Fundo assumindo a liderança, mudanças na fórmula da cota teriam impacto imediato no acesso a recursos financeiros", afirmou o ministro no discurso de ontem no Comitê de Desenvolvimento do Bird. Depois de decidir não renovar o acordo com o FMI, o Brasil mudou o discurso na reunião anual do organismo, brigando por mais poder de decisão nas instituições. Sobre a adoção do patamar mínimo de 70% dos votos para mudança de políticas no FMI e Bird, que seria um ganho radical de poder dos países emergentes, Palocci disse que, "sem contestar o processo tradicional, uma maioria de votos fortalecida em decisões críticas daria maior segurança de que a voz dos países em desenvolvimento será ouvida". O ministro brasileiro defendeu também o uso de cotas que reflitam mais a posição do PIB dos países em relação à economia mundial pelo critério de paridade do poder de compra. A fórmula é defendida pela China e Índia, que aumentaram a participação na economia mundial nas últimas décadas. Em entrevista coletiva, Palocci admitiu que não há consenso para uma mudança imediata. "Eu acho que o consenso não existe ainda. (...) A chance de que isso aconteça é razoável mas o processo de mudança desses organismos é bastante lento", disse, sem arriscar prever uma data para que haja um voto nas propostas brasileiras. Pela primeira vez, o diretor-gerente do FMI, Rodrigo Rato, disse que há espaço para mudanças num futuro próximo. "Há um debate que os acionistas têm que enfrentar, e acho que há um maior consenso sobre isso. Estamos em meio à décima terceira revisão das cotas, então esse é o momento formal para fazer isso", afirmou numa entrevista no sábado. O secretário do Tesouro dos EUA, John Snow, apoiou a proposta de mudança em seu discurso e o Comitê Financeiro e Monetário Internacional e disse que a revisão atual "cria uma oportunidade para progredir em relação a um consenso". A maior resistência, nesse caso, é de países da Europa, que hoje têm uma sobre-representação nos organismos internacionais. Palocci usou a questão das metas do milênio para defender novamente um resultado amplo na redução de subsídios agrícolas na Rodada de Doha. "O compromisso de elevar o total de ajuda para 0,7% do PIB pode ser facilmente ultrapassado por ganhos com uma conclusão bem-sucedida da Rodada de Doha, que seriam de US$ 250 bilhões ano ano em 2015, com mais de um terço do ganho dirigido a países em desenvolvimento", disse. O PIB dos países mais pobres poderia crescer 2% se a rodada eliminasse os subsídios. Palocci também lembrou que restrições fiscais prejudicam o combate à pobreza em países de renda média, que têm "bolsões de pobreza", embora tenham uma renda melhor que os países mais pobres. "Pedimos que os bancos multilaterais aumentem o financiamento à infra-estrutura e desenvolvam uma nova janela de empréstimos para que países de renda média lidem com volatilidade global de capitais e choques externos". O financiamento à infra-estrutura, segundo o ministro, especialmente em saneamento, água e transportes, é crítico para a redução da pobreza em países de renda média. Palocci também pediu que os bancos multilaterais reduzam seus custos adicionais nos empréstimos. Durante a reunião, a avaliação geral foi a de que o Brasil está mais preparado para enfrentar turbulências nos mercados internacionais. Palocci e o presidente do Banco Central, Henrique Meirelles, destacaram a virada no resultado de conta corrente e a mudança do perfil da dívida, que de 40% dos títulos indexados ao dólar passou a apenas 7%. O nervosismo dos mercados nos últimos dias da semana passada não foi provocado por problemas no Brasil, mas por temores do mercado dos EUA, lembrou Meirelles. Completando a mudança de discurso, Palocci pediu que os países desenvolvidos continuem mudando suas políticas cambial e monetária de maneira lenta e previsível, como vem ocorrendo até agora no caso dos juros nos EUA, e admitiu que mudanças mais bruscas prejudicariam mais o Brasil. Sobre a previsão de crescimento de 3,7% no Brasil este ano, Palocci disse estar mais otimista do que o FMI, mas lembrou que mais importante que a taxa de crescimento de cada ano é a manutenção de um período longo de crescimento. O FMI repetiu durante a reunião que a falta de competição no setor financeiro brasileiro ajuda a explicar o alto spread bancário. Foi notada a ausência da China, que enviou um vice-ministro e não o titular da Pasta de Finanças, deixando claro que não se submeterá a pressões para desvalorização imediata de sua moeda.