Título: Primeiro plano do segundo mandato
Autor: Claudia Safatale
Fonte: Valor Econômico, 15/04/2005, Brasil, p. A2

O PT quer cercar a campanha pela reeleição de Luiz Inácio Lula da Silva de garantias a respeito das intenções do governo no seu eventual segundo mandato. Essa é a essência dos propósitos relacionados no documento "Bases de um Projeto para o Brasil", elaborado para servir, na campanha pela reeleição, como a Carta aos Brasileiros serviu ao primeiro mandato. Informado de que as oposições pretendem explorar a possibilidade - que hoje é um temor subjetivo nos mercados - de Lula, na segunda gestão, romper com os princípios macroeconômicos que norteiam a política conduzida pelo ministro da Fazenda, Antonio Palocci, o comando do PT reagiu. Ao escrever o documento que a cúpula do governo e do PT pretendem que seja o novo programa do partido, com uma profunda atualização do seu pensamento econômico, cada palavra foi pesada e uma lista de compromissos assumidos. Lá estão sublinhados os compromissos com o respeito a contratos, com o ajuste fiscal, com a estabilidade econômica. O PT assume, ainda, a bandeira da redução da carga tributária para tirá-la das oposições. O documento admite que a carga tributária bateu no limite e se compromete com sua paulatina redução. Na elaboração do projeto da Lei de Diretrizes Orçamentárias, que vai ser encaminhada ao Congresso hoje, o governo tomou a dianteira de limitar os impostos federais arrecadados pela Receita Federal a 16% do PIB. Patamar elevado, se comparado com a média dos últimos dez anos (13,8% do PIB), mas pelo menos um sinal de que parou por aí. "Não existe a concepção de choques ou rupturas", afirma Genoíno. O texto, que deverá ter o selo da militância do PT, assume a visão de que a construção de um projeto de desenvolvimento é "processual" e não comporta "aventuras". Candidato à reeleição para a presidência do PT, Genoíno vai direto ao ponto: "Esse documento é uma resposta à oposição, que está querendo convencer a população de que, no segundo mandato, o governo vai fazer tudo diferente". E rebate: "Não há como viabilizar um processo de ruptura, isolacionismo ou de choques no conjunto das forças econômicas". Nas oposições, a iniciativa é vista com certo desprezo. Avalia-se que o PT não tem mais a credibilidade que tinha quando assinou a Carta aos Brasileiros, em junho de 2002. A carta foi um documento avalizado pelo Campo Majoritário do PT, facção hegemônica no partido (que também debateu o novo texto, no último fim-de-semana), mas o que se viu ao longo desses dois anos foi uma briga visceral do núcleo do poder palaciano contra a política econômica de Lula e Palocci, alegam os oposicionistas.

'Sem choques, rupturas, aventuras e sem mesmice'

O que está em questão, aqui, é a eleição presidencial de 2006. O PT quer mostrar que tem uma agenda e que, se está distante das "aventuras", também não pretende se restringir "à mesmice", observa Genoíno. Ele identifica um "déficit institucional" no país que dificulta o desenvolvimento e quer se centrar nessas questões: facilitar a vida dos empreendedores e desburocratizar o processo de abertura e fechamento de empresas no Brasil; quer uma boa legislação de defesa da concorrência; outra para as agências reguladoras; além da reforma sindical, trabalhista e política. Quer ainda consolidar o crescimento sustentado; viabilizar os investimentos em infra-estrutura; promover o desenvolvimento tecnológico e em educação; e provar que não há contradição entre ser uma economia exportadora e ter um forte mercado interno. No déficit institucional, não entra, porém, a aprovação de lei complementar garantindo a autonomia operacional do Banco Central. "O BC é muito independente. Nosso governo, mesmo às vésperas das eleições, deixou aumentar a taxa de juros. Quando digo que a base é processual, se é para o financiamento das políticas públicas, também o é para os ícones do mercado. O mercado tem que entender o tempo político das coisas", assinala. Retomar a capacidade de investimento público é uma tarefa que cabe ao governo, avalia o presidente do partido. Algo que deve ser feito de forma progressiva e em estreita ligação com um ordenamento tributário mais eficiente, a começar pela redução da carga total de impostos. A redução da dívida pública e da taxa de juros é essencial, mas também um processo a ser construído "pacientemente". E, nesse aspecto, o texto já deixa claro que, nos próximos anos, novas reformas terão que ser feitas, simultaneamente a um "movimento pactuado" com a sociedade para dar mais seletividade e eficiência ao gasto público. Aqui, Genoíno cita questões que deverão ser contempladas nas reformas, como a excessiva vinculação do Orçamento; a criação de portas de saída para os que entram nos programas sociais; e que previdência social o país pretende financiar. Após dois anos de governo Lula, "o PT mudou para melhor", ampliou sua compreensão dos limites e soube aprender "que o descontrole da economia e das finanças públicas é sempre mais cruel com os pobres", atesta o documento. Compreendeu, também, que num mundo globalizado e com livre fluxo de capitais, o poder dos governos nacionais é mais limitado. " A capacidade dos agentes financeiros de desestabilizar a economia - dada sua vulnerabilidade e a liberdade irrestrita de movimentação de capitais - pende, permanentemente, como uma espada de Dâmocles sobre o país, condicionando as decisões de política econômica em suas diversas esferas", diz o o PT, no documento. Depois de rechaçar a idéia de que o governo Lula começou a promover uma "gastança" a partir de meados de 2004, o texto enfatiza por diversas vezes a crença na austeridade fiscal, atribui esse compromisso como essencial nos governos de esquerda modernos e acusa a direita populista de praticar a demagogia fiscal. Outra novidade do documento, que fala para dentro e para fora do partido, é o conceito de "governabilidade social". Aqui, o PT diz que as pontes do partido e do governo com os movimentos sociais não podem ser quebradas, que é preciso ter diálogo permanente e vínculo de confiança. Ainda que se possa fazer reparos ao programa, é preciso reconhecer que o PT está colocando os pés no chão.