Título: Lula pede perdão para reforçar opção pela África
Autor: Sergio Leo
Fonte: Valor Econômico, 15/04/2005, Brasil, p. A4

Um pedido de perdão pela escravidão no Brasil, na ilha de Gorée, de onde partiu grande parte dos navios negreiros do Senegal para o país, foi um dos últimos atos públicos do presidente Luís Inácio Lula da Silva em sua viagem de cinco dias pela África, encerrada ontem. O pedido, declaradamente inspirado pelo exemplo do papa João Paulo II, que fez o mesmo, ao passar pela porta "sem retorno" onde atracavam os navios negreiros, na Casa dos Escravos de Gorée, foi a maneira encontrada pelo presidente de enfatizar o aspecto político do recado transmitido por ele aos cinco chefes de estado que encontrou nesta semana, sobre a prioridade da África na diplomacia brasileira. Lula lembrou ao presidente senegalês, Abdoulayê Wade, ter visitado a África mais vezes que todos os outros presidentes brasileiros somados, e informou que fez questão de incluir o ensino de história e cultura africanas no currículo escolar, para mostrar como a escravidão, por três séculos, influiu no atraso do continente africano e na riqueza dos países desenvolvidos. Um dos acordos assinados por Lula durante sua visita, a quarta ao continente, estabeleceu o envio de professores africanos para ministrar essas disciplinas no ensino médio e superior no Brasil. O presidente brasileiro comparou a escravidão ao holocausto dos judeus e lamentou a falta de atenção para o que se fez com os negros até o século XIX: "Muitas vezes aprendemos sobre atrocidades que a humanidade cometeu contra etnias, raças e países, mas a questão da escravidão é tratada muito por cima." "É como uma dor de cálculo renal, a pior do mundo; não adianta dizer, tem que se sentir para saber como é", comparou Lula, ao descrever a visita à Casa dos Escravos de Gorée, onde viu os calabouços em que escravos era guardados, e os locais onde eram trocados por aguardente e mercadorias e, alguns, engordados para o tráfico negreiro. "Estando aqui se tem a dimensão do que essas pessoas sofreram, por 300 anos." A comitiva de Lula emocionou-se com a visita, os discursos do presidente Wade e de autoridades brasileiras e com a música "L´ile de Gorée", cantada na capela pelo ministro da Cultura, Gilberto Gil, em que ele e o compositor José Carlos Capinam descreveram a dor marcada na "pele dos escravos" traficados a partir da ilha. Lula pareceu conter as lágrimas, mas Gil, a ex-ministra Benedita da Silva e outras autoridades choravam, e enxugavam os olhos com lenço, quando Wade saudou o presidente brasileiro como "primeiro presidente negro do Brasil" e o presenteou com um diploma de "Grande Peregrino da Ilha de Gorée", de embaixador contra a escravidão no mundo. "Quando definimos nossa estratégia (para a África), não era apenas para fazer negócios, era, sobretudo, uma estratégia de dirigente político que tem consciência da dívida histórica que temos com o continente africano", discursou Lula, repetindo o lema que levou ao encontro com chefes de Estado nas visitas feitas, durante a semana, a Camarões, Nigéria, Gana, Guiné-Bissau e Senegal. Wade, em um discurso caloroso, agradeceu a Lula pela "ajuda e cooperação com a África", e afirmou que aplicaria, no Senegal, muitas das experiências de políticas públicas sobre as quais ouviu falar nas reuniões com a delegação brasileira. No Senegal, o Itamaraty promoveu uma rodada de negócios com cerca de 60 empresários, interessados principalmente em comprar máquinas agrícolas. Lula aproveitou a viagem africana para reforçar as negociações diplomáticas contra subsídios agrícolas nas negociações da Organização Mundial do Comércio (OMC), informou o ministro das Relações Exteriores, Celso Amorim. Embora não tenha aprofundado as negociações para escolha do diretor-geral da OMC, cargo disputado pelo brasileiro Luiz Felipe de Seixas Corrêa, Lula até brincou com o tema: "É uma disputa difícil; mas quando fui, pela primeira vez, oposição em uma chapa para o Dieese, perdemos, e com voto contrário do Olívio Dutra."