Título: Desmoralização ameaça as agências reguladoras
Autor:
Fonte: Valor Econômico, 15/04/2005, Opinião, p. A10

A recusa da Comissão de Infra-Estrutura do Senado à indicação de José Fantine para o comando da Agência Nacional do Petróleo demonstra que a relação entre Executivo e o Congresso continua a descer ladeira abaixo, com demonstrações canhestras de agressivo fisiologismo. O governo, porém, não é apenas vítima de manobras rasteiras e anti-éticas. Os sucessivos sinais de que rifaria a autonomia das agências, emitidos desde o início do governo Lula, seguidos do apadrinhamento político no preenchimento dos cargos, estão agora produzindo seus efeitos negativos. O pano de fundo que tem marcado os últimos movimentos do Legislativo é a frustração na distribuição de cargos no governo federal para os partidos aliados, uma contrapartida para seu apoio aos projetos do Executivo em geral e, em particular, para o de reeleição do governo Lula. O jogo sucessório já define o xadrez político prematuramente, o que é um azar para o país. Todas as peças movimentadas erradamente pelo governo contribuíram para isso - desde o fracasso da eleição do líder do PT na Câmara, que marcou a ascensão de Severino, até a novela da reforma ministerial, que nada produziu senão o ingresso de um ministro, o da Previdência Social, alvejado pelo próprio currículo. É função dos senadores aprovar ou rejeitar as indicações do Executivo para a direção das agências reguladoras. É um triste sinal que tenham decidido usar suas legítimas atribuições para vetar nomes com argumentos indecorosos, como os que foram em público utilizados - o Ministério de Minas e Energia, e o governo federal, não estariam satisfazendo a contento as indicações políticas de partidos aliados para cargos na administração pública. Desta manobra não se salvaram nem mesmo opositores ao papel subalterno que o PT quer reservar as agências reguladoras, e que defendem, pelo visto apenas em tese, sua autonomia, como o PSDB. Sem norte, os tucanos estão anulando a vantagem de ter quadros parlamentares de nível e afundando seu prestígio em um vale-tudo desmoralizante. Há outros motivos, porém, para que os senadores tenham criado um fato consumado quase inédito, ao disparar contra o indicado para diretoria-geral da ANP. O próprio governo tornou políticas as nomeações que, por princípio, deveriam, no máximo grau possível, se pautar por conhecimentos técnicos, experiência, competência e probidade. Depois de o presidente Lula, logo após ter sido empossado, ameaçar acabar com a autonomia das agências, e após o envio de um projeto torto para manietá-las, que está parado no Congresso, a substituição dos diretores cujo mandato venceram foi marca primordialmente pelo apadrinhamento político. O comando da Agência Nacional de Águas foi para o petista José Machado, ex-prefeito de Piracicaba que não conseguiu se reeleger. Sem a aprovação de Fantine, continua na ANP como interino Haroldo Lima, ex-deputado do PC do B, o mesmo partido do ministro Aldo Rebelo, encarregado da coordenação político do governo. Uma das vagas na diretoria da Agência Nacional de Transportes Terrestres será ocupada por José Cirilo, que preside o PT do Ceará e foi castigado pelas urnas ao se candidatar a governador em 2002. Na Anatel, foi sacramentado no comando Elifas Gurgel do Amaral, afiliado político do ministro das Comunicações, Eunício Oliveira. Com o mau exemplo vindo de cima, não foram necessários mais estímulos para que a direção das agências fosse também incluída nas cotas políticas para ocupação de cargos no Estado. José Fantine foi contrário à flexibilização do monopólio do petróleo, assim como seu congênere na Anatel, que regula as telecomunicações, fora contrário às privatizações das empresas de telefonia. Embora a orientação dos indicados pudesse ser um obstáculo para sua aprovação, no caso de uma discussão séria sobre o assunto, a avaliação relevante a respeito foi soterrada pela coro de insatisfação dos "sem-cargo". O argumento tardio de que Fantine é estatizante não cola. Fantine diz ter mudado de idéia a respeito, o que ocorreu, aliás, com todo o governo petista, já antes de sua posse. E o mesmo argumento não foi utilizado na aprovação de outras nomeações. A autonomia relativa das agências é uma exigência vital para que elas possam exercer com sucesso a sua tarefa de fiscalizar e regular atividades de interesse público nas quais o próprio Estado é parte interessada. Do jeito como estão sendo tratadas, elas estão se tornando parte do aparelho do Estado e se transformarão em palco de interesses políticos menores - um triste fim.