Título: Aquisição de alimentos, uma ação do Fome Zero
Autor: José Giacomo Baccarin
Fonte: Valor Econômico, 06/10/2004, Opinião, p. A-10

Programa investe na compra de produtos da agricultura familiar

Os agricultores familiares exercem um papel estratégico na economia nacional. Segundo dados do IBGE, eles representam 38% do valor bruto da produção agropecuária nacional e 86% dos estabelecimentos agrícolas do país. Ciente da importância do fortalecimento desse segmento, inclusive como forma de promover a distribuição de renda, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva tomou a agricultura familiar como uma prioridade em seu governo. A ampliação dos créditos do Plano Safra da Agricultura Familiar reflete essa preocupação. No final do governo passado, para a safra 2002/2003, o total de recursos liberados para a agricultura familiar, via Pronaf, foi de R$ 2,3 bilhões. Esse valor praticamente dobrou na safra 2003/2004 - R$ 5,4 bilhões - e para a safra 2004/2005 estão previstos R$ 7 bilhões. Nessa ótica se estrutura o Programa de Aquisição de Alimentos da Agricultura Familiar (PAA) do Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome (MDS), importante política estruturante do Fome Zero. Em julho de 2003, o artigo 19 da lei 10.696 autorizou a compra de produtos da agricultura familiar, sem licitação e seguindo uma tabela oficial de preços, até o limite de R$ 2,5 mil por agricultor/ano. O que aparenta ser pouco recurso, muitas vezes chega a dobrar a renda monetária de agricultores familiares. Com pouco mais de um ano de existência, o PAA vem contribuindo decisivamente para a geração de emprego e renda, mudando a realidade de várias regiões e aumentando o consumo de alimentos de famílias mais pobres. Tomemos o acontecido recentemente em Rondônia. Por intermédio de convênio MDS/Conab, o programa foi aplicado no Estado para compra de feijão carioca e acabou responsável pela aquisição de 25% da safra local. Foram R$ 11,6 milhões distribuídos entre 6,2 mil pequenos produtores. As 11,8 mil toneladas de feijão compradas estão sendo usadas nas cestas básicas distribuídas pela Secretaria de Segurança Alimentar do ministério a populações específicas ou em situação de emergência. A operação elevou o preço da saca ao produtor, de R$ 45,00 para R$ 60,00, sem alterar o preço final ao consumidor. O segredo está no fato de a compra pública afetar a ação dos atravessadores, que procuram desvalorizar o preço ao produtor e aumentar o preço final. Em outras localidades, a história se repete, em variadas dimensões. Além da Conab, o programa é executado por intermédio de convênios com Estados e municípios para compras locais de alimentos, que são distribuídos na própria região . Com o Maranhão, por exemplo, o ministério firmou convênio de R$ 9,3 milhões, com a meta de atender 3,4 mil agricultores familiares. O município de Zé Doca, com 46 mil habitantes, foi o primeiro a receber os recursos: em agosto, foram distribuídos R$ 8,7 mil entre 67 produtores, uma média de R$ 130,00/mês para cada agricultor. Isso numa cidade onde a renda média é de R$ 77,00, segundo o Censo 2000 do IBGE. Os produtos comprados foram distribuídos lá mesmo, pela prefeitura, para alimentar crianças atendidas pelas creches municipais. É bom que se diga que Zé Doca está entre os municípios com menor Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) do Maranhão e do país. Em outras localidades, como em Araraquara (SP), os produtos adquiridos da agricultura familiar são utilizados para incrementar a qualidade nutricional da merenda escolar e da população mais pobre . Sem maiores problemas de desnutrição, o PAA tem servido para a prefeitura introduzir na alimentação os chamados alimentos funcionais (que ajudam a prevenir doenças), como o brócolis, couve de bruxelas e repolho, que atuam na prevenção do câncer de intestino. Aliado a isso, há uma iniciativa da prefeitura de utilizar os produtos da agricultura familiar para combate à obesidade infantil. Ações como essas promovem importante impacto de médio e longo prazo na saúde pública.

O que aparenta ser pouco recurso, muitas vezes chega a dobrar a renda obtida por agricultores familiares

Para Araraquara, o MDS repassou R$ 600 mil para compra de alimentos produzidos por agricultores familiares (muitos deles assentados da reforma agrária), destinados para a merenda escolar das 40 escolas da rede municipal, beneficiando 18 mil estudantes. Some-se ainda o público atendido por 49 entidades assistenciais. Além dos benefícios nutricionais, a administração municipal consegue mapear os pequenos produtores locais e, a partir daí, orientá-los no investimento em qualidade da produção. O PAA está presente também no Programa de Apoio à Produção e ao Consumo de Leite, direcionado aos Estados do semi-árido, onde promove a revitalização da bacia leiteira. Através de convênios com os governos dos Estados do Nordeste e Minas Gerais, estão sendo adquiridos, de 32 mil pequenos pecuaristas, 577 mil litros de leite por dia (10%, leite de cabra) que, posteriormente, são distribuídos às famílias carentes pelos serviços municipais de assistência social. Além do efeito imediato no consumo e na geração de emprego e renda, já se percebe a movimentação de pequenos agricultores, interessados em acessar linhas de financiamento do Pronaf, investir em tecnologia de produção e no beneficiamento do leite. Esses exemplos indicam a direção da política governamental, de estímulo à economia associado à distribuição de renda. Revela, ainda, a disposição do governo de orientar o Estado para seu papel fundamental de corrigir as desigualdades sociais, ao subsidiar a pequena produção, procurando livrá-la da submissão às regras impostas pelo atravessador. Ao mesmo tempo, contribui para que se aumente o acesso e o consumo de alimentos das famílias mais pobres e dos beneficiados pelo consumo institucional. Embora novo, os R$ 240 milhões que o governo federal está empregando no PAA, em 2004, mostram resultados muito favoráveis e abrem uma real perspectiva de desenvolvimento para os agricultores familiares.