Título: Custo do controle da inflação
Autor: Antonio Delfim Netto
Fonte: Valor Econômico, 19/04/2005, Brasil, p. A2
No início dos anos 80, quando as "expectativas racionais" e o "olhar para a frente" ainda estavam sendo esperados, prevaleciam as "expectativas adaptativas" (o valor da variável hoje é ligado ao seu valor de ontem) e ninguém tinha condições de supor que fosse possível liquidar um processo inflacionário sem custo. É claro que em condições especiais (preços relativos em equilíbrio e distribuição de renda aceitável) podia-se imaginar que uma autoridade suficientemente acreditada pela população poderia coordenar uma redução da taxa de inflação, desde que: 1) eliminasse as causas da inflação, iniciando pelo déficit público; 2) prometesse uma política monetária suficientemente austera; e 3) a imensa maioria dos agentes acreditasse na obediência de todos os outros e fosse suficientemente honesta para não se comportar como "free-riders".
Tivemos a oportunidade de assistir a um processo semelhante numa visita ao Japão em 1979, quando houve a segunda crise do petróleo. O ministro de Finanças japonês (apoiado no formidável histórico de progresso do país) foi à televisão para "explicar" que a crise afetaria fortemente a economia e haveria um aumento do desemprego. A solução ideal seria que todas as empresas menos sensíveis ao preço do petróleo aumentassem em 10% o seu emprego, cortando, na mesma proporção, os salários dos que estavam trabalhando, de forma a não aumentar o custo total da mão-de-obra. Com isso a pressão inflacionária seria mínima e seria mantida a demanda interna e externa, com pequenos efeitos sobre o iene. Ouvimos a explicação com o maior ceticismo. A verdade, entretanto, é que, na manhã seguinte, ao chegarmos à agência do Banco do Brasil, tomamos conhecimento que o "sindicato interno" de seus funcionários já havia comunicado ao gerente que concordava com a proposta!
Metas ambiciosas exigem perda de PIB
O que se esperava, então, do combate à inflação? Algum custo temporário em termos de "perda de PIB". A mais simples combinação de equação de demanda agregada dinâmica (determinada pela taxa de inflação desejada e pelo crescimento absoluto do PIB) e oferta agregada dinâmica (determinada pela inflação do período anterior, mais a diferença entre o PIB e o seu "potencial"), mostrava caminhos mais ou menos circulares , que sempre exigiam variação do PIB e da taxa de inflação em torno da inflação "desejada" e do PIB "potencial". Isso ocupou os economistas muitos anos na discussão de qual a melhor velocidade (a que tinha menor custo) para reduzir a taxa de inflação. A verdade é que ainda não se conheceu uma redução da taxa de inflação a custo nulo! O gráfico 1 mostra o "calvário" para a redução da taxa de inflação de 5% da Eurolândia em 1991, para 1,9% em 2004.
Vemos que a redução da taxa de 5% para 3% levou quase cinco anos e produziu um aumento do desemprego de 3% (de 7,5% para 10,5%). Como sugerido pelo "velho modelo dinâmico", a taxa de inflação veio abaixo do objetivo (cinco anos) e só o atingiu em 2004, com a surpreendente taxa de desemprego de 8,9%. Alguns ousam dizer que "sem profundas reformas trabalhistas, ela é a nova taxa de desemprego que não acelera a inflação (a famosa 'Nairu') na Eurolândia". A relação entre a variação da taxa de desemprego e a taxa de crescimento do PIB para a Eurolândia está no gráfico 2. Ela mostra que para aumentar o emprego em 1%, a taxa de crescimento do PIB deve ser de 2,2%. Nos últimos cinco anos a taxa de crescimento da Eurolândia foi menor do que 2% ao ano! Todos sabemos que quando há controle fiscal e o banco central é responsável, a "taxa de inflação residual" tende a repetir-se, porque é produzida por atritos no nível microeconômico. Metas inflacionárias ambiciosas exigem, portanto, alto custo em termos de PIB.