Título: Cortes ameaçam serviços das agências
Autor: Daniel Rittner
Fonte: Valor Econômico, 19/04/2005, Brasil, p. A3

Após uma série de indicações políticas para cargos técnicos e o envio pelo governo de um polêmico projeto de lei ao Congresso, as agências reguladoras estão à míngua neste ano, situação que compromete a execução de suas atribuições básicas. Nas últimas três semanas, os recursos orçamentários foram drasticamente cortados e deixaram os órgãos reguladores de infra-estrutura em grave situação financeira. Até o dia 13 de abril, as seis agências do setor conseguiram executar apenas entre 1% e 13% dos recursos previstos na lei orçamentária, segundo dados levantados pelo gabinete do deputado José Carlos Aleluia (PFL-BA) no Siafi, o sistema de acompanhamento de gastos do governo. Desta vez, o que incomoda não é somente a apropriação pelo Tesouro, para fins de superávit primário, das principais fontes de financiamento das agências - como o Fundo de Fiscalização das Telecomunicações (Fistel) e o pagamento de participações especiais sobre a exploração de petróleo. Agora, mesmo os recursos efetivos dos órgãos reguladores têm sofrido restrições. No caso das agências, essas restrições não significam adiar algum investimento (que poderia ser executado depois), mas reduzir fiscalização de combustíveis adulterados, de movimentação de cargas e passageiros, e da distribuição de energia elétrica, ou mesmo o risco de interromper a série histórica de medição do nível de vazão dos rios. No ano passado, por exemplo, 30 redes de distribuição de energia elétrica já não foram fiscalizadas adequadamente pela Aneel. Foto: Ruy Baron/Valor

José Machado, diretor-presidente da ANA: escassez de verbas coloca em risco a manutenção da rede hidrometeorológica, que é coordenada pela agência

Um dos casos mais graves é o da Agência Nacional do Petróleo (ANP), subordinada ao Ministério de Minas e Energia. A lei orçamentária previa R$ 141,4 milhões para 2005, sem incluir despesas com pessoal, patamar que já era considerado muito baixo para os padrões históricos do órgão. Com o contingenciamento, o valor diminuiu 43% e foi para apenas R$ 79,9 milhões. A redução coloca em risco boa parte dos 127 contratos e 23 convênios assinados pela agência. Para mantê-los, seria necessário desembolsar R$ 139,2 milhões neste ano. "Vamos ter que suspendê-los", lamenta o diretor-geral interino da ANP, Haroldo Lima. A maioria dos convênios foi para garantir o acompanhamento, no mínimo uma vez por ano, da qualidade dos combustíveis vendidos pelos postos. Entre os contratos, existem parcerias estratégicas, como a fechada com a Marinha para fiscalizar a extração de óleo bruto pelas plataformas marítimas, por meio da qual a ANP verifica a quantidade de petróleo extraído e, conseqüentemente, os royalties que devem ser pagos ao governo. "Ainda temos esperança de receber aportes de recursos para manter os contratos. Se tivermos que cancelar, será uma economia caríssima", argumenta Haroldo Lima. Na Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), o panorama também não é muito confortável. O orçamento do órgão regulador saiu do Congresso sem emendas parlamentares e prevendo gastos de R$ 179,6 milhões. Com o contingenciamento, comunicado três semanas atrás à agência, os recursos diminuíram para R$ 69 milhões - excluindo as despesas com pessoal, a redução foi de 42%. No caso da Aneel, o governo Lula mais do que dobrou os contingenciamentos anuais aplicados à agência até 2002. No último ano do governo Fernando Henrique Cardoso, o corte havia chegado a 24% - o maior da administração tucana. Até 2001, o contingenciamento era mínimo ou inexistente. No ano passado, chegou a 56%. "Desde o início do governo Lula, existem correntes que se opõem ao funcionamento das agências reguladoras", critica o deputado José Carlos Aleluia, líder da minoria parlamentar na Câmara. "Não conseguiram destruí-las no Legislativo e agora estão tentando fazer isso através do estrangulamento orçamentário", acusa Aleluia, acrescentando que vê chances pífias de aprovação do projeto de lei das agências reguladoras. Em alguns casos, a restrição financeira ameaça minar atividades centrais dos órgãos. Na Agência Nacional de Águas (ANA), pode afetar os programas de apoio à implantação dos comitês de bacias hidrográficas, como dos rios Doce e Piranhas-Açu. A escassez de verbas também coloca em risco a manutenção da rede hidrometeorológica coordenada pela agência. Ela funciona há 30 anos e coleta dados, quase diariamente, sobre os índices de vazão dos rios em 5,5 mil pontos do país. A rede custa R$ 18 milhões por ano. Se faltar dinheiro, toda a série histórica ficará comprometida. "É quase certo que, sem o aporte de novos recursos, teremos que reduzir o escopo das nossas ações e nos concentrarmos nas atividades absolutamente prioritárias", diz José Machado, diretor-presidente da ANA há pouco mais de três meses. Descontando gastos com pessoal, reservas de contingência e doações de instituições estrangeiras, a agência teve orçamento de R$ 121,4 milhões aprovados pelo Congresso. O Ministério do Meio Ambiente, ao qual está vinculada, liberou o empenho de R$ 50 milhões até o fim de agosto. "Não estamos à beira do colapso, mas as demandas sobre a agência são crescentes e precisamos dar as respostas adequadas", diz Machado. Segundo a programação financeira interna da ANA, havia a necessidade de gastar R$ 54 milhões no primeiro quadrimestre. Até o último dia 7, só R$ 12 milhões chegaram ao órgão, prejudicando o fechamento de contratos com licitações já realizadas. "A situação é muito grave", corrobora Sebastião Zaiden, superintendente de planejamento e gestão financeira da Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT). Com R$ 61 milhões para despesas de custeio (fora gastos com pessoal), a agência ficou com R$ 40 milhões após o contingenciamento feito pelo Ministério dos Transportes. De acordo com Zaiden, existe até mesmo o risco de paralisação dos serviços de fiscalização do transporte de cargas e de passageiros, tanto nas rodovias quanto nas ferrovias, no segundo semestre. Para que isso não aconteça, precisa de verbas adicionais. De qualquer forma, é praticamente certo que os planos de inaugurar uma unidade regional em Fortaleza ainda em 2005, para coordenar as atividades de fiscalização no Nordeste, serão adiados. Também deverá ser postergada a contratação dos primeiros funcionários concursados da ANTT. A agência havia pedido autorização para recrutar 813 funcionários. O governo aprovou a realização de concurso público neste ano. Por causa das limitações orçamentárias, o Ministério do Planejamento só permitirá a aprovação de cerca de 540 funcionários.