Título: Qualquer perturbação pode levar cotação a US$ 80, diz especialista
Autor:
Fonte: Valor Econômico, 06/10/2004, Especial, p. A-12

Não é só o crescimento recorde de demanda, a instabilidade política em grandes países exportadores ou a especulação financeira que têm jogado para as alturas os preços do petróleo. A contínua elevação do produto nos mercados internacionais é fruto também do baixo investimento das multinacionais petrolíferas. Resistentes a investir na ampliação da capacidade de produção, refino e distribuição, as gigantes do setor têm preferido simplesmente recompensar os seus acionistas, explica Paul Stevens, professor de políticas do petróleo e economia da Universidade de Dundee, no Reino Unido. O pior é que essa tendência deve continuar, argumenta Stevens. Conceituado acadêmico na área, ele aponta várias razões que inibem novos investimentos. Da elevada carga fiscal nos países ricos ao sucateamento da indústria que fornece equipamentos às petrolíferas, essas múltis encontram hoje poucos estímulos para elevar a oferta. A mudança de política da Arábia Saudita em relação aos preços do petróleo, conseqüência das dificuldades internas vividas pelo país, também faz crescer a volatilidade e coloca a cotação da commodity em um novo patamar, diz. O especialista britânico acredita que, apesar de este novo patamar ainda ficar longe dos níveis de 1979, apresenta agora elementos bem mais complexos. "Quando o petróleo bateu nos US$ 80 no fim dos anos 70 [em valor atualizado], praticamente não existia um mercado de futuros", sublinha Stevens, que também é professor-visitante do Imperial College, a faculdade mais prestigiada de Londres para estudos do setor. "Se agora acrescentamos especulação financeira às ameaças físicas de desabastecimento, ninguém será capaz de dizer qual é o limite dos preços." Leia os principais trechos da entrevista telefônica concedida ao Valor: Valor: Paul Stevens: Vamos pôr as coisas em perspectiva. Se pegarmos o petróleo tipo Brent, os preços hoje estão entre US$ 45 e US$ 48. No primeiro choque do petróleo, em 1973, a cotação chegou a US$ 44 em valores atualizados. No segundo choque, entre 1979 e 1980, atingiu US$ 80. Mas hoje essa alta tem efeitos menos expressivos. Valor: Stevens: Por dois motivos. Nos países da OCDE, a intensidade de energia caiu de forma dramática. Ou seja, usa-se muito menos petróleo por unidade de produção. Além disso, os preços são cotados em dólar. Em moeda americana, é verdade que eles estão muito altos. Mas, se pensamos em euro ou outra moedas, como libra ou iene, a história é diferente. O dólar tem se desvalorizado nos últimos dois anos. O próprio governo americano já reconhece que podemos viver perfeitamente com o petróleo cotado a pouco mais de US$ 30. O problema é se os preços se estabilizarem num nível bem mais alto. Valor: Stevens: Esse é um dos grandes problemas. O mercado de petróleo está operando no limite. Se perdermos qualquer grande exportador, como Iraque ou Nigéria, teremos sérios problemas. Hoje há apenas de 500 mil a um milhão de barris por dia de capacidade ociosa - a maioria na Arábia Saudita. Se houver alguma ruptura no fornecimento da Nigéria, por exemplo, não há como recompor as perdas. O agravante é que, quando o petróleo bateu nos US$ 80 no fim dos anos 70, praticamente não existia um mercado de futuros. Se agora acrescentamos especulação financeira às ameaças físicas de desabastecimento, ninguém será capaz de dizer qual é o limite dos preços. Valor: Stevens: Certamente, e isso é bem fácil de acontecer. Trata-se de um risco real. Só temos que perder um exportador por algumas semanas. Ninguém duvide de que podemos ter problemas. Valor: Stevens: Há dois tipos de explicação. A escola "cíclica" diz que uma série de fatores vem empurrando os preços do petróleo ao mesmo tempo e na mesma direção: estamos vendo o maior crescimento da demanda desde 1978, o fornecimento dos países da Opep tem sido desapontador por causa da falta de investimentos, houve problemas no Iraque e na Venezuela. A geopolítica deixou os mercados nervosos, e isso gera mais especulação. Mas, para essa escola, tudo o que sobe, desce. Talvez no ano que vem a demanda enfraqueça e tenhamos menos conflitos nos países que integram a Opep. Valor: Qual é a outra explicação? Stevens: É a escola "estruturalista". Ela diz que estamos sofrendo as conseqüências de um longo período de baixo investimento na indústria petrolífera. Não apenas em produção de petróleo, mas em transporte, refino e distribuição. Estamos entrando em um novo mundo quando se trata de petróleo, com preços altos e risco de desabastecimento. Eu acrescento outro fator a esse argumento. A política de petróleo da Arábia Saudita mudou. Desde 1986, os sauditas têm seguido uma política de preços baixos e estáveis. Isso mudou nos últimos 18 meses. Agora eles querem preços estáveis, mas preferem mantê-los em um patamar bem mais alto. Antes a meta era algo entre US$ 18 e US$ 20, mas hoje provavelmente está acima de US$ 30 para a Arábia Saudita. Se esses argumentos são mais fortes do que os da escola "cíclica" - e eu acho que são -, então devemos estar preparados para um longo período de preços altos. Valor: Por que a Arábia Saudita mudou a sua estratégia? Stevens: Há três razões. Primeiro, os sauditas precisam do dinheiro. Têm graves problemas de desemprego e falta de crescimento econômico, com possíveis conseqüências para a estabilidade política do país. Segundo, a estratégia de preços baixos tem sido severamente minada por governos que colocam impostos pesados sobre combustíveis. Ou seja, o consumidor paga caro por derivados como a gasolina, mesmo com o petróleo sendo vendido a preços baixos. Em resumo, os consumidores finais não conseguiram perceber os benefícios de um petróleo barato. Em terceiro lugar, o governo americano tem dito que é possível conviver com uma cotação acima de US$ 30. Então, raciocinam os sauditas, por que não? Valor: Se os preços do petróleo estão tão elevados, as multinacionais do setor não deveriam estar investindo em expansão da capacidade? Stevens: Antigamente, era exatamente isso o que se podia esperar. Mas não é mais o que está acontecendo. Os sistemas fiscais se tornaram tão progressivos que, quando o petróleo ultrapassa os US$ 30, a maior parte da rentabilidade excedente vai para o orçamento dos governos em vez de ir para o caixa das companhias petrolíferas. Os retornos obtidos pelas empresas não são suficientemente atrativos para induzi-las a investir. Resultado: as multinacionais do petróleo têm preferido devolver dinheiro aos acionistas. No ano passado, a British Petroleum gastou US$ 9 bilhões em exploração e produção. Neste ano, está devolvendo US$ 6 bilhões aos seus acionistas. Isso é dinheiro que sai da indústria. Valor: Há outros problemas? Stevens: Sim. Onde os retornos poderiam ser mais altos, não há acesso para investimentos. É o caso de países com grandes reservas, como Arábia Saudita, Kuait e Irã. Agora, por razões de segurança, também o Iraque. Mas percebe-se que existem também restrições humanas. Muitas companhias não têm pessoal suficiente para gerenciar novos projetos. E some-se a isso o sucateamento da indústria de serviços, que fornece equipamentos à expansão das petrolíferas. Essa indústria trabalha com margens cada vez mais apertadas e foi sufocada pelo crescimento do comércio eletrônico. Hoje as empresas de petróleo vão à internet e conseguem diminuir preços em até 20%. Com tantas dificuldades, a própria indústria de serviços não está investindo em capacidade. Valor: Na semana passada, o Banco Central do Brasil divulgou um relatório em que trabalha com projeção de US$ 35 para o barril de petróleo em 2005. Essa previsão é muito otimista? Stevens: Uma estimativa de US$ 35 é perfeitamente sensata. A grande dificuldade vem da geopolítica. Ninguém sabe o que acontecerá no Iraque, na Nigéria ou na Venezuela.