Título: Mercados têm mais um ataque de pessimismo
Autor:
Fonte: Valor Econômico, 19/04/2005, Opinião, p. A12

Uma bolha de otimismo estourou no mercado de capitais dos Estados Unidos e ondas de maus augúrios atingiram os mercados desde a semana passada. Seus efeitos, entretanto, não devem passar de um ataque temporário de nervosismo. Não há motivos consistentes para uma guinada radical nas bolsas americanas e na de alguns países emergentes como o Brasil, embora o grau de instabilidade nos mercados venha subindo à medida que os juros se elevam na maior economia do mundo. A súbita descoberta de que a economia global está se desacelerando veio com atraso, se é que essa possa ser uma razão real para justificar a ação defensiva de boa parte dos investidores na semana, como de fato foi. Os sinais emitidos pelas previsões privadas e pela abrangente estimativa do Fundo Monetário Internacional indicam uma suave e previsível desaceleração. Diante da alta dos preços do petróleo, com perspectiva de se manter acima da barreira dos US$ 50 por um mais um bom tempo, o mundo deverá crescer um pouco menos em 2005. O arrefecimento se dará principalmente na zona do euro, com um recuo das previsões de 2,2% para 1,6%, e nos Estados Unidos, onde o crescimento na casa dos 4% de 2004 declinará para os 3,6%. O ritmo das economias da América Latina e Caribe arrefecerá, de 5,7% para 4,1%. Os países asiáticos, com exceção do Japão, continuarão exibindo expansão vigorosa, liderados pela China, que deverá dar mais um salto de 8,5%. A economia global passará a avançar mais lentamente - 5,1% em 2004 para 4,2% este ano. Pelo lado das estimativas de curto prazo, não há nada dramático que possa insuflar reviravolta baixista permanente nos mercados. Diante de um ajuste dos juros americanos, que deixará para trás um dos períodos de liquidez mais abundante da história, as inquietações estão se avolumando no mercado americano. A safra de balanços de abril deverá indicar um aumento de lucros de 8,4%, um pouco acima da média histórica de 7,5%. Estes resultados empalidecem, porém, diante dos resultados do primeiro trimestre de 2004, quando os ganhos cresceram 27,5% e do quarto trimestre, de 19,7%. A relação entre o número de empresas que previram lucros menores diante das que devem ter lucros maiores foi de 2,1, também na média. Os temores de que os gastos do consumidor americano, que sustentam dois terços do PIB do país, começaram a encolher drasticamente são prematuros. As dificuldades da GM, a terceira maior companhia do globo, têm mais a ver com estratégias empresariais erradas do que com uma hipotética fuga ao consumo. As margens de lucro das empresas americanas foram, no último trimestre de 2004, as mais altas dos últimos sete anos. Os excepcionais resultados do ano passado obscurecem uma avaliação realista do desempenho atual. O comércio mundial , por seu lado, já está crescendo menos desde o segundo semestre de 2004. Ele evoluiu 9,5% em 2004 e deve atingir 6,5%, de acordo com previsões recentes da Organização Mundial de Comércio. O desaquecimento pode afetar especialmente os lucros das empresas dos EUA. Em 2004, os ganhos das corporações americanas no exterior avançaram 26% e representaram 58% do crescimento dos lucros das matrizes - nada menos de US$ 350 bilhões, segundo a revista "BusinessWeek" Uma época de reacomodação do crescimento a um nível menor em pleno ciclo de alta dos juros cria incertezas, mas não deveria nutrir o pânico. O Fed, BC americano, tem sido cada vez mais explícito a respeito de seus passos e indicou, na ata de sua última reunião, que ainda descarta um aumento mais intenso das taxas, embora as preocupações com a inflação tenham aumentado. Com todas as elevações já feitas, os juros nos EUA são apenas ligeiramente positivos. Tanto a inflação quanto um freio ocasional das vendas no varejo podem ser explicadas em grande parte pelos aumentos dos preços do petróleo 70% acima dos de 2004 - um confisco razoável da renda disponível. Os enormes déficits comerciais e fiscal americanos são causa de preocupação no mundo inteiro e serão corrigidos, de uma forma abrupta ou não, em algum momento. Nada indica que este ajuste, com enormes implicações para a economia mundial, tenha começado. O nervosismo atual dos investidores pode ser mais uma marola em um ambiente econômico ainda bastante previsível. Os solavancos sentidos nos mercados emergentes, como o brasileiro, são naturalmente mais fortes, dada a volatilidade de boa parte das moedas, altas dívidas e estreiteza dos mercados locais. Até agora, porém, não há sinal de crise à vista.