Título: Taxa de juros, FAT e a redução da dívida pública
Autor: Antonio Carlos Teixeira Álvares
Fonte: Valor Econômico, 19/04/2005, Opinião, p. A12

Diante da discussão sobre o monopólio do BNDES na gestão do FAT, cumpre inicialmente esclarecer que não é nem um pouco apropriado comparar a taxa Selic (19,25%) com a TJLP (9,75%). A comparação direta é enganosa, pois enquanto a Selic é uma taxa de juros pura, paga pelo governo, a TJLP é muito mais um indexador do que uma verdadeira taxa de juros. Consideremos, por exemplo, o mais popular financiamento do BNDES, o Finame que, na prática, é a única linha de financiamento de longo prazo para a compra de máquinas e equipamentos. O Sistema BNDES cobra da grande maioria das empresas industriais a TJLP acrescida de 6% ao ano. A capitalização de 9,75% de TJLP com o adicional de 6% resulta uma taxa de 16,34% ao ano, que não é nada baixa e está longe de ser um subsídio. Desses mais de 16%, o BNDES fica com cerca de 15%, sendo a diferença a remuneração do agente, normalmente um banco privado. Portanto, a comparação entre TJLP (9,75%) e Selic (19,25%), usando como pano de fundo a redução do custo da dívida pública, não é correta, uma vez que, na verdade, o setor público, via BNDES, acaba recebendo 15% de remuneração e não 9,75%. Caso fosse possível utilizar os recursos do FAT para abater a dívida pública, o ganho seria significativamente menor do que aquele que vem sendo divulgado. Outra possibilidade apontada por correntes mais liberais defende a transferência desses recursos para o setor privado. Aqui vale a citação do próprio presidente do BNDES, Guido Mantega, que afirmou, no jornal Valor (pág. A-6 em 29/03/05): "Se os bancos privados tivessem acesso aos recursos do FAT, apenas 'agradeceriam' a fonte de financiamento a um custo de 9,75% e colocariam o spread tradicional em cima, de 17%, 18%, 20%". Ou seja, o custo final para o tomador do empréstimo sairia por volta de 30%. Como sempre, ganharia o sistema financeiro e perderia o sistema produtivo. Nesse debate, estranhamente, não tem sido comentado um fato de extrema importância. Por que a taxa Selic tem de estar em níveis tão elevados? A resposta é que isso é parte da estratégia do Banco Central para segurar a inflação. Aceite-se que a elevação da taxa de juros seja necessária para refrear o crescimento dos preços. O problema é que uma condição necessária não significa uma condição suficiente. Voltemos vinte anos atrás. No inicio de 1985, era possível tomar empréstimo no Brasil com taxa de juro anual pré-fixada de 360%, que era considerada elevada, porém necessária para conter a inflação que havia atingido 224% em 1984. Pois bem, em 1985 a inflação registrou 235%. Ou seja, a elevada taxa de juros foi incapaz de reduzir a taxa de inflação. A inflação não cedeu devido ao fenômeno, então institucionalizado no Brasil, da indexação, isto é, da correção automática dos preços em função da inflação passada.

Propor tirar o FAT do BNDES, usando como argumento a Selic atual, é formular uma tese com base num absurdo

Voltemos à atualidade. Embora não tenhamos mais um sistema formal de indexação, ela está presente nos contratos das concessionárias dos serviços públicos. Isso sem falar no aumento dos preços internacionais de bens fundamentais como aço e petróleo. Segundo cálculos recentes da Fiesp, a meta de inflação adequada para contemplar tais fenômenos deveria ser da ordem de 6,5%. Por que razão, então, perseguir uma meta impossível de inflação de 5,1% e posicionar a taxa Selic em níveis tão elevados? Sinceramente, não sei a resposta. Porém, quem se beneficia diretamente com isso, como sempre, é o sistema financeiro. Perde, mais uma vez, o sistema produtivo. Entretanto, a correção de parâmetros terá de ser feita mais cedo ou mais tarde, pois há uma impossibilidade matemática que esconde uma terrível armadilha na manutenção de taxas de juros muito elevadas, por longo período de tempo. Essa armadilha está relacionada com os juros reais, aqueles que são pagos (ou cobrados) após a correção dos efeitos da inflação. Vamos admitir, por exemplo, que a Selic permaneça por um ano em 19,25% e a inflação seja de 6%. A taxa de juros reais corretamente calculada indicaria 12,5%. Ora, há uma concordância generalizada que de 12,5% de juros reais é uma exorbitância. Será mesmo? Qual seria o resultado da capitalização contínua de juros reais tão elevados? Para ilustrar, consideremos um fato histórico. Em 1626, Peter Minuit comprou ilha de Manhattan dos índios americanos, pagando o equivalente a 24 dólares americanos. Devido à inflação americana, um dólar do século XVII compraria cerca de US$ 11 hoje; assim, o valor da venda equivaleria, em moeda de hoje a U$ 264,00. Suponhamos que os índios tivessem aplicado o produto da venda não à taxa de juros reais de 12,5%, mas a "míseros" 8% ano ano. Como estariam os descendentes da tribo original se resolvessem sacar a aplicação somente agora em 2005? Os descendentes teriam acumulado, em 2005, o astronômico capital de US$ 1,2 quatrilhão, ou seja mais de cem vezes o PIB americano. Isso acontece por que o fenômeno de capitalização composta é explicado por uma curva exponencial sempre crescente que tende mais rapidamente para o infinito quanto maior for o valor da taxa de juros. A condição para que o valor de uma aplicação (ou de uma dívida), num sistema de capitalização contínua, não supere todas as riquezas disponíveis, no longo prazo, é que a taxa de juros não seja maior que a do crescimento econômico. Ou seja, a taxa de juros reais não pode, no longo prazo, superar a taxa média de criação de riquezas. Essa é a armadilha embutida nas taxas de juros reais elevadas. O governo terá de desmontá-la logo. Portanto, raciocinar com uma taxa Selic nos níveis de hoje é raciocinar com o absurdo. Desprestigiar uma honorável instituição nacional como o BNDES tirando-lhe a gestão do FAT por causa das discrepâncias atuais, um absurdo maior ainda.