Título: Rumo à unificação de alíquotas do Imposto de Renda
Autor: Edward Amadeo
Fonte: Valor Econômico, 20/04/2005, Opinião, p. A13

A dificuldade de aprovação da MP 232 revelou a intolerância da sociedade à elevação da carga tributária. O governo propôs trocar a correção da tabela do imposto de renda das pessoas físicas (IRPF), que beneficia assalariados, pelo aumento dos impostos dos prestadores de serviços. Os assalariados ficaram calados sabendo que o governo não recuaria de sua medida popular. Os prestadores de serviços conseguiram impedir a aprovação da MP no Congresso. O governo amargou perda de arrecadação. Os regimes tributários especiais, que afetam os prestadores de serviços (Simples e Imposto de Renda sobre lucro presumido), são tentativas de lidar com a complexidade do sistema tributário brasileiro. Em 1996 o governo federal introduziu o Simples, que tinha em vista, além das pequenas empresas, os profissionais liberais e prestadores de serviços que faturavam como conta-própria e tinham um regime tributário semelhante ao assalariado. Pelo novo sistema, o prestador de serviços pode optar por pagar seus impostos como pessoa jurídica. O sistema simplifica a vida do contribuinte, ao aglutinar vários impostos em um só e fazer a alíquota incidir sobre o faturamento. A nova legislação fez mais, ao estabelecer alíquotas de impostos e contribuições que tornavam o valor recolhido à Receita Federal menor do que o imposto da pessoa física. O fato do novo sistema ser mais simples e cobrar menos impostos foi o chamariz para atrair os contribuintes. Um estudo de Silvia Barcellos e Juliano Assunção ("Tributação e a organização dos prestadores de serviços no Brasil", Texto para Discussão, Departamento de Economia, PUC-Rio, n. 501) mostra os incentivos aos prestadores de serviços para contribuírem como pessoas jurídicas a partir de determinado nível de renda. Eles usam uma amostra de profissionais liberais da pesquisa do IBGE com empresas com cinco ou menos trabalhadores, em que 8% pagam imposto de renda como pessoas jurídicas. Esse grupo tem renda média mensal de R$ 5.112,10 quando os demais, que recolhem como pessoas físicas, de R$ 2.303,94. Essa diferença corrobora o óbvio, que os contribuintes com maior renda têm maior economia de impostos ao constituir-se como pessoa jurídica. O Imposto de Renda sobre lucro presumido (isto é, sobre uma porcentagem do faturamento) foi outra inovação introduzida no sistema tributário. As empresas optam por esse sistema buscando a redução de custos administrativos devido à sua simplicidade. Além disso, empresas unipessoais ou as pequenas com elevada relação entre faturamento e custos optam por esse modelo pelo fato de pagarem menos imposto do que as pessoas físicas ou as jurídicas que recolhem sobre o lucro real.

Simples e lucro presumido são regimes com vantagens operacionais, mas não estão isentos de distorções de natureza distributiva

Essas soluções trazem a vantagem da simplicidade mas não são isentas de distorções, a primeira de natureza distributiva. O IRPF no Brasil contribui menos para redistribuir renda que em outros países. Na Coréia do Sul ou no México, o indivíduo passa a recolher imposto quando sua renda alcança 75% da renda per capita do país (equivalente a R$ 455,00 ao mês hoje no Brasil). Na maioria dos países esse limite é menor que 50%. No Brasil é superior a 150%. E ainda assim, o valor recolhido à Receita pelo prestador de serviços com elevada relação entre faturamento e custos (caso das empresas unipessoais, dos profissionais liberais, etc.) tende a ser menor do que seria se pagasse o IRPF. Aí está a distorção distributiva. A outra distorção tem a ver os impactos sobre a constituição das empresas e a composição setorial da economia. No debate sobre a MP 232 circulou o argumento de que as tendências do mercado de trabalho mostram menor grau de integração das empresas e pulverização dos prestadores de serviços, e que é nesse contexto que se deve entender o tratamento diferenciado da legislação tributária. Não há como negar as mudanças do mercado de trabalho. Mas a tributação deve ser neutra com respeito à forma como as empresas se organizam e não incentivar mudanças nessa ou naquela direção. Uma coisa é constatar que há uma mudança em curso, outra é supor que o sistema tributário deva exacerbar essa mudança, o que é um absurdo. A diferenciação tributária produz distorções ao induzir mudanças na organização das empresas e na estrutura setorial das atividades econômicas que só por enorme coincidência levam a maior eficiência. Os especialistas no tema, como Maílson da Nóbrega, estão convencidos que o imposto de renda sobre lucro presumido (isto é, sobre o faturamento) veio para ficar pela sua simplicidade. A simplificação é bem-vinda por reduzir custos administrativos e, assim, a sonegação. Outra questão é a diferenciação de alíquotas entre a renda das pessoas físicas e jurídicas, que só faria sentido se o governo fosse capaz de compensar os incentivos de qualquer natureza que porventura levem as empresas a não maximizarem a eficiência. Como isso é impossível, a diferenciação de alíquotas não faz sentido nem do ponto de vista distributivo nem da alocação dos recursos. Os sistemas tributários em vários países caminham para a unificação de alíquotas, não para a diferenciação. A experiência de países do Leste Europeu, com a alíquota única sobre a renda das pessoas e os lucros das empresas (flat tax), parece confirmar o efeito da simplificação tributária sobre a arrecadação e, pode-se argumentar, sobre a distribuição de renda e a eficiência alocativa. Idealmente, no Brasil, devemos caminhar para um sistema em que as alíquotas de imposto de renda sejam as mesmas para as pessoas físicas e jurídicas.