Título: Feminino e desigual
Autor: Santos, Danielle
Fonte: Correio Braziliense, 05/03/2010, Brasil, p. 8

OIT mostra que desemprego é maior entre as mulheres, ainda que elas tenham mais estudo. Carteira assinada também se tornou problema

Renilde de Souza: ¿Procuro emprego há dois anos. Tenho experiência como empregada, mas as oportunidades nem sempre são fáceis¿

Adauto Cruz/CB/D.A Pres Maria , doméstica há 20 anos: orgulho de ter criado três filhos

O relatório da Organização Internacional do Trabalho (OIT) divulgado ontem, em Brasília, confirmou o que já não é novidade no universo de mulheres no mercado de trabalho brasileiro: a desigualdade entre os gêneros. Às vésperas da comemoração do Dia Internacional da Mulher, em 8 de março, o levantamento baseado em dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio 2008 (Pnad) atesta que o desemprego entre mulheres ainda é superior, quando comparado ao índice dos homens. Cerca de 19% delas estão fora do mercado de trabalho, enquanto no universo masculino esse número só chega a 10,2%. Apesar de superarem em anos de estudo ¿ em média três anos a mais que os homens ¿, elas ainda têm dificuldades em se colocar no mercado, muitas vezes motivadas pelo preconceito. ¿A mulher ainda é vista como aquela que pode dar mais trabalho do que o homem, no sentido de gerar gastos para a empresa, seja por causa de uma licença-maternidade ou de outra atribuição que lhe é confiada em casa¿, explica a diretora da OIT Brasil Laís Abramo.

No que diz respeito à quantidade de mulheres com carteira assinada e aos rendimentos a disparidade continua. Cerca de 23,5% delas ganham menos de dois terços do rendimento mediano real. Entre os homens, esse percentual cai para 15,5%. Outra preocupação levantada nos dados foi em relação à qualidade do emprego. Enquanto metade dos homens empregados no país ¿ 51,6% ¿ se encontram em alguma atividade formal, as mulheres não superam os 46,7%.

A ambulante Renilde de Souza, 31 anos, também se enquadra nas estatísticas de mulheres que estão fora do mercado formal. Mãe de uma menina de 2 anos, ela vende doces na rodoviária de Brasília para pagar o aluguel e as despesas da filha. ¿Procuro emprego há dois anos, mas está difícil. Tenho experiência como empregada doméstica, mas as oportunidades nem sempre são fáceis de aparecer¿, justifica. Apesar de se sentirem excluídas do mercado de trabalho, Renilde e Juliana encabeçam outra realidade entre as mulheres brasileiras: são chefes de família. De acordo com a OIT, o número de mulheres à frente das responsabilidades familiares aumentou para 34,9% em 2008, quase dez pontos percentuais, se comparado a uma década atrás, quando elas representavam cerca de 25,9%. Somadas as atribuições de chefe da casa, a mulher também acumulou, ao longo dos anos, uma jornada de trabalho exaustiva, de acordo com a pesquisa. Juntando a carga de horas trabalhadas com as atividades exercidas ao chegar em casa, as mulheres gastam, em média, 57,1 horas semanais. ¿Ainda existe a cultura de que cabe exclusivamente à mulher a responsabilidade de educar e cuidar dos filhos e da casa¿, completa Laís.

Entre as atividades remuneradas que menos têm valor no mercado está a de empregada doméstica. A realidade se torna mais cruel quando os números revelam que apenas 26,8% das profissionais com essa ocupação têm seus direitos trabalhistas garantidos. Entre as mulheres negras, o número cai para 24% do total. No Brasil, uma a cada cinco mulheres negras inseridas no mercado atua como doméstica.

A gente, que é mulher e luta pelos filhos, acaba se acostumando com a rotina de correria¿

Maria do Nascimento, empregada doméstica

A mulher ainda é vista como aquela que pode dar mais trabalho do que o homem, no sentido de gerar gastos para a empresa¿

Laís Abramo, diretora da OIT Brasil

A luta de cada dia

Em 2006, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva aprovou uma lei que altera as regras sobre a dedução do Imposto de Renda da contribuição patronal paga à Previdência Social do empregador doméstico sobre o valor de remuneração do empregado. A mudança traz, entre os benefícios, férias mais longas, elevadas para 30 dias ¿ antes eram anuais e remuneradas, de 20 dias, a cada 12 meses. Para domésticas gestantes, ficou proibida a dispensa arbitrária ou sem justa causa desde a confirmação da gravidez até 5 meses após o parto. ¿A questão da baixa remuneração do trabalho doméstico é clássica no Brasil e na América Latina e está associada à desvalorização da função do cuidados com a sociedade. Cuidar de uma criança, lavar, passar é um trabalho intenso e que exige uma qualificação. O problema é que ainda existe uma visão de quase servil¿, ressalta Laís Abramo.

Dona Maria do Nascimento, 52 anos, trabalha há 20 como doméstica e já sofreu preconceito e pouca valorização do trabalho por parte dos patrões, mas disse que agora está com a vida que pediu a Deus. ¿Hoje, não tenho do que reclamar, porque tenho uma patroa muito boa, que me acolheu e reconhece minhas qualidades. Pretendo aposentar nessa profissão¿, afirma.

Em duas décadas de trabalhando de casa em casa, todos os dias da semana, ela conseguiu criar e educar três filhos, além de sustentar a casa sozinha. ¿Estou ajudando a custear até uma faculdade para a minha filha com o pouco que ela recebe também¿, conta. Nem mesmo o cansaço da dupla jornada ¿ quando ela chega em casa para lidar com os afazeres domésticos ¿ tira o ânimo dessa batalhadora. ¿A gente, que é mulher e luta pelos filhos, acaba se acostumando com a rotina de correria. Chego à noite e ainda lavo roupa e faço comida antes de ir para a cama.¿ (DS)