Título: Petrobras enfrenta dilema entre projetos no Rio e MS
Autor: Cláudia Schüffner
Fonte: Valor Econômico, 06/10/2004, Empresa e Indústria, p. B-7

Mercado diz que não existe espaço para dois novos pólos

A direção da Petrobras tem hoje sobre sua mesa dois grandes projetos para a petroquímica. Um deles, anunciado há mais tempo, prevê a construção de um pólo gás-químico no Mato Grosso do Sul, na fronteira com a Bolívia. O segundo projeto trata da construção de uma refinaria para petróleo pesado, possivelmente na cidade de Itaguaí, no Rio de Janeiro. O primeiro está orçado em US$ 1,5 bilhão. O segundo, em US$ 3,5 bilhão. Mas não é só o valor do projeto que vai pesar na decisão final. Se a opção for pelo pólo do Rio, o projeto do Mato Grosso do Sul deverá ser adiado por três anos. A diferença de preço não deve ser o fator determinante na decisão da estatal. A favor do Rio existe a possibilidade da Petrobras resolver um antigo problema. A estatal é obrigada a exportar o petróleo pesado produzido no campo de Marlim, na bacia de Campos, porque não consegue processá-lo no Brasil. Já o pólo na fronteira com a Bolívia resolve o problema do gás. "Um projeto resolve o problema do petróleo da Petrobras e o outro resolve os problemas do gás da Bolívia", resumiu uma fonte envolvida nas negociações. Na avaliação desse interlocutor, não há no Brasil demanda suficiente que justifique dois investimentos desse porte entrando em operação ao mesmo tempo. Ele lembra que o mercado passará a ser atendido também pela Rio Polímeros no próximo ano, além do projeto de expansão da PqU. Esses fatores devem ser avaliados pela Petrobras, que prometeu anunciar em dezembro o resultado dos estudos de viabilidade técnica e econômica do pólo do Rio, como adiantou o diretor da área de Abastecimento da estatal, Paulo Roberto Costa. E mesmo que a economia brasileira continue a crescer em ritmo mais acelerado, os dois são projetos para a próxima década. Os recursos que caberiam à Petrobras no pólo de Itaguaí, que poderá ter uma parte financiada pelo BNDES, não estão previstos no plano estratégico da companhia para o período 2004-2010, onde a área petroquímica recebeu orçamento de US$ 1,1 bilhão, dos quais US$ 850 milhões reservados para a Petroquisa. Mas o próprio presidente da Petrobras, José Eduardo Dutra, já disse que mais recursos poderão ser destinados a esse projeto na revisão do plano estratégico, que é feita em bases anuais. Cada um desses projetos é gerenciado por uma diretoria na Petrobras. Enquanto Itaguaí é tocado pela área de abastecimento, dirigida por Paulo Roberto Costa, o pólo da fronteira está ligado à área internacional, pilotada por Nestor Cerveró. Diferentemente do pólo do Rio, que é um empreendimento complexo e arrojado baseado em um novo conceito que prevê a utilização de petróleo pesado brasileiro, o pólo da fronteira produzirá petroquímicos a partir do gás natural da Bolívia, que é mais fácil de ser transformado. Nesse projeto a Odebrecht saiu na frente como parceira da Petrobras. No projeto do Rio, o principal sócio deve ser o grupo Ultra. Dois grupos de peso no país. Entre os prós e contras que serão analisados para definir qual dos dois será tocado primeiro está a garantia do fornecimento da matéria-prima. As discussões serão acompanhadas com interesse por dois governadores de peso, de olho nos dividendos políticos de um projeto deste porte. O governo do Mato Grosso do Sul, Zeca do PT, conta com o apoio do senador Delcídio Amaral, homem forte do partido naquela Casa. A governadora Rosinha Garotinho também acompanha de perto o trabalho da Petrobras. Para tomar uma decisão final sobre esses investimentos a Petrobras e o governo federal também devem colocar na balança as conseqüências, para o Brasil, dos recentes problemas políticos e regulatórios na Bolívia, onde está sendo desenhado um novo marco regulatório para o setor de gás. O novo modelo está em fase de construção no Brasil. O país vizinho tem planos de aumentar a musculatura de sua mirrada estatal YPFB e nesse contexto um projeto de porte como um pólo gás-químico vai precisar de garantias de fornecimento e de baixo risco político. O que fica claro nos novos planos da Petrobras para a petroquímica é que não caberá a ela dar solução ao atual xadrez das participações cruzadas no setor. Se todos os participantes esperavam que a estatal optasse por fincar mais raízes em um dos pólos onde já tem participação, mas sem poder de voto e de veto - Copene, PqU e Triunfo -, ela claramente optou por uma outra via, que é a participação em projetos novos, em igualdade de condições com os sócios privados. O consultor Sergei Beserra, gerente de consultoria da IBM Brasil para a área de petróleo, avalia a integração de uma refinaria com uma central petroquímica como "altamente recomendável" e por isso acha que o projeto do Rio pode ser viável mesmo considerando a pequena capacidade de processamento comparada ao tamanho das novas refinarias construídas no mundo , com capacidade de processar entre 400 mil e 600 mil barris/dia . "A própria refinaria irá se beneficiar com retorno de alguns compostos da central, podendo formular produtos de maior valor. E a integração de uma refinaria com uma central permite ganhos com quadro técnico funcional e com a estrutura de manutenção, que poderia atender as duas plantas, com ganho de escala na operação e gestão", afirma Beserra. Ele pondera ainda que o polipropileno é uma "vedete", sendo o termoplástico mais consumido no país desde 1995, com taxa média de crescimento de 8,5% ao ano em meados de 90, contra os 3% do PVC, 3,6% do poliestireno e os 4,3% do polietileno segundo dados do IBGE citados por Beserra. "O polipropileno é um grande consumidor de propeno, que por sua vez é um grande consumidor de nafta. E aí está o caráter estratégico desse projeto para o governo e a Petrobras, que poderá viabilizar uma utilização de maior valor agregado para o óleo crú nacional, ficando menos dependente da importação da nafta. E isso também é vantagem para a petroquímica privada, já que a dependência da nafta é tida com um gargalo para que o crescimento dessa indústria no país", ressalta o executivo da IBM. Beserra destaca ainda, entre os pontos fortes do projeto combinado de petroquímica e refino, as projeções de aumento da demanda de polipropileno até 2010, já que segundo ele os mercados menos desenvolvidos registram, historicamente, taxas de crescimento altas. "Mais da metade do polipropileno é destinado a indústria automobilística, utensílios domésticos e carpetes", diz o consultor.