Título: Brasil irá engavetar painel da soja
Autor: Mônica Scaramuzzo e Mauro Zanatta
Fonte: Valor Econômico, 20/04/2005, Agronegócios, p. B14

O Brasil vai engavetar mais uma vez - pelo menos por este ano - o plano de abertura de um processo contra os subsídios dos Estados Unidos aos seus produtores de soja, na Organização Mundial do Comércio (OMC). "As condições atuais [de preços] tiraram um pouco do fôlego [do painel]", disse Gilman Viana, vice-presidente da Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA). O Valor apurou que a orientação do governo e do setor privado, contudo, é de sustentar que o processo da soja ainda está em estudo. Segundo Viana, o setor produtivo e o governo já chegaram a um acordo comum sobre a não-abertura do painel por conta da recuperação dos preços internacionais da soja, como reflexo da quebra da safra de soja nos EUA e, principalmente, no Rio Grande do Sul. "Com a recuperação dos preços internacionais, há uma diminuição no impacto dos subsídios." Viana informou que o setor já tinha apresentado para o governo uma atualização dos estudos econométricos sobre os eventuais danos sofridos pela cadeia produtiva com os subsídios americanos. Mas os estudos efetivos que deveriam ganhar prosseguimento foram cancelados, segundo Viana. Em 2001, esses mesmos estudos já tinham sido realizados, quando pela primeira vez o governo brasileiro ameaçou entrar na OMC. À época, a recuperação dos preços esfriou a abertura do processo. Pedro de Camargo Neto, presidente da Abipecs (reúne exportadores de carne suína) e especialista em comércio internacional agrícola, confirmou que o processo da soja está na gaveta. Camargo disse que a desistência do processo por causa da recuperação dos preços é uma avaliação errada. "Há um temor de que o processo da soja seja mais fraco que o do algodão porque representa uma ameaça de dano e esse argumento está previsto na OMC", disse Camargo. "É um processo mais difícil, mas não podemos ter medo de arriscar." O governo não confirma oficialmente a desistência do processo e sustenta que o painel ainda está em fase de levantamentos de dados. Elisabete Serodio, secretária de Relações Internacionais do Ministério da Agricultura, disse que o ministério não recebeu nenhuma decisão oficial sobre o caso. Segundo Serodio, o processo da soja foi discutido há cerca de um mês durante a apresentação dos estudos preliminares no Itamaraty. Nas últimas semanas, algumas negociações bilaterais e multilaterais "atropelaram" o processo. Fontes do Itamaraty informaram que não há posição oficial sobre o painel, mas que as condições de preços no mercado deverão ser levadas em conta na decisão. Um dos entusiastas do painel, o presidente da Associação dos Produtores de Soja de Mato Grosso (Aprosoja-MT), Rogério Salles, disse que o painel na OMC está, por enquanto, em compasso de espera. "Temos que resolver primeiro a questão das dívidas geradas pela atual safra. (...) Depois, estudaremos esse processo". O governador Blairo Maggi (PPS), maior produtor individual de soja do mundo, defende a abertura do processo. "Quando os preços lá fora caem muito, os produtores deles recebem automaticamente esse valor. Nós, ficamos sempre no prejuízo. Segundo ele, o governo federal precisa avançar nos estudos para questionar esses subsídios. Para Adilton Sachetti, prefeito de Rondonópolis e produtor de 12 mil hectares em Itiquira e Sapezal, o momento de recuperação de preços é "a hora ideal" para questionar os subsídios dos EUA. Para ele, os preços mínimos dos EUA são uma clara ameaça aos agricultores brasileiros e à economia nacional. "Não vamos colocar em risco a conquista do algodão. A política agrícola dos EUA, que causam dano ao Brasil no caso do algodão, é a mesma que distorce o mercado quando os subsídios são usados." Segundo Camargo, o governo não deve ter medo de arriscar. No caso do algodão, no qual o Brasil saiu vitorioso ao questionar os subsídios dos EUA, o país tem de estar preparado, com uma estratégia pronta para retaliar os americanos, caso os EUA se recusem a fazer as implementações estabelecidas na OMC. "O Brasil não pode deixar que uma vitória nacional seja ignorada." Os EUA devem anunciar nos próximos dias como farão essa implementação.