Título: A limitação à edição de medidas provisórias
Autor: José Levi Mello do Amaral Júnior
Fonte: Valor Econômico, 20/04/2005, Legislação & Tributos, p. E2

A Emenda Constitucional nº 32, de 2001, trouxe ganhos à disciplina da medida provisória: proibiu medida provisória em certos assuntos, eliminou a reedição, equacionou melhor os efeitos da medida não-convertida. A maior virtude da emenda, no entanto, é a imposição de prazos inexoráveis à tramitação da medida provisória, "o que força ou a votação (aprovando, modificando ou rejeitando) ou a caducidade da decretação de urgência por decurso de prazo", segundo José Levi Mello do Amaral Jr. em "Medida Provisória e a sua Conversão em Lei" (São Paulo, Revista dos Tribunais, 2004). Os prazos de tramitação impostos à medida provisória têm por objetivo forçar que seja ela votada, superando a indefinição que o modelo anterior gerava. Hoje, uma medida provisória não dura mais do que 200 dias. Neste período, ou é votada ou caduca por decurso de prazo. Ademais, trata-se de prazo mais realista do que os 30 dias originais. Por outro lado, após o 45º dia de tramitação sem votação em plenário, a medida provisória tranca a pauta da casa em que se encontra. É o regime de urgência próprio da medida provisória (parágrafo 6º do artigo 62 da Constituição), diferente do regime de urgência constitucional do projeto de lei (parágrafos do artigo 64 da Constituição). Um exemplo: uma medida provisória com 45 dias de tramitação na Câmara dos Deputados tranca-lhe automaticamente a pauta até que seja votada. Se e quando aprovada, a medida vai ao Senado Federal, trancando-lhe, de imediato, a pauta. Diferentemente, no caso de projeto de lei em regime de urgência constitucional, há contagem de novos 45 dias para que a pauta do Senado seja trancada. A idéia é boa: imprimir celeridade no processo, decidindo-se, rapidamente, a sorte da medida provisória. No entanto, quando várias medidas conhecem tramitação concomitante, o novo modelo resulta em diversos trancamentos de pauta, sobrepostos e sucessivos. Com isso, ocorre embaraço aos trabalhos parlamentares. Cabe, então, cogitar modos de superar o problema. A Constituição da Espanha (artigo 86, 1 e 2), prevê duas vias de tramitação para o decreto-lei. A primeira passa somente pelo Congresso dos Deputados e implica na convalidação ou derrogação, em única câmara, da decretação de urgência. A segunda, facultativa, passa por ambas as cortes - o Congresso dos Deputados e o Senado - e implica a tramitação bicameral de um projeto de lei em procedimento de urgência. Tramitação similar esteve em estudo para o decreto-lei italiano, mas não prosperou.

Quando várias medidas são concomitantes, o novo modelo resulta em trancamentos de pauta sobrepostos e sucessivos

Há que ter realismo no jogo político. Seria pouco provável aprovar uma modificação constitucional em detrimento de uma das casas (veja-se o caso italiano). Ainda assim, o modelo espanhol inspira proposta a considerar. Para simplificar a tramitação da medida provisória, vale examinar a possibilidade de permitir à comissão mista a que se refere o parágrafo 9º do artigo 62 da Constituição a aprovação, de modo terminativo, da medida ou respectivo projeto de lei de conversão, nos termos do artigo 58, parágrafo 2º, inciso I da Constituição. A sugestão, pretensamente, tem as seguintes virtudes: 1) abrevia a tramitação congressual de medida provisória; 2) preserva a participação de deputados e senadores; 3) faz uso de mecanismo bem aceito e de boa prática (o artigo 58, parágrafo 2º, inciso I da Constituição combinado com o artigo 24, inciso II do regimento interno da Câmara e com o artigo 91 do regimento interno do Senado); e 4) não exclui a competência dos plenários das casas, em função da possibilidade de "recurso de um décimo dos membros da casa" (artigo 58, parágrafo 2º, inciso I da Constituição), o que, ademais, não tolhe grupos parlamentares minoritários da discussão. A sugestão teria que ser objeto de proposta de emenda constitucional, porque o parágrafo 9º do artigo 62 da Constituição requer um processo bicameral em nível de plenários. Propõe-se a seguinte redação para o dispositivo em causa: "Caberá à comissão mista de deputados e senadores examinar as medidas provisórias e sobre elas emitir parecer, antes de serem apreciadas, em sessão separada, pelo plenário de cada uma das casas do Congresso Nacional, sem prejuízo do disposto no artigo 58, parágrafo 2º, inciso I." Enfim, é possível que a sugestão evidencie o importante papel da comissão mista a que se refere o parágrafo 9º do artigo 62 da Constituição Federal. Posta em nível constitucional, a comissão mista tornou-se um imperativo cuja inobservância, ou seja, sua não-instalação, é inconstitucionalidade formal.