Título: Incentivos à inovação são para poucos
Autor: Ricardo Balthazar
Fonte: Valor Econômico, 22/04/2005, Brasil, p. A2

A reforma que o governo pretende fazer nos mecanismos de estímulo à inovação tecnológica previstos na legislação tende a beneficiar um número pequeno de empresas. Um projeto de lei que deve ser encaminhado ao Congresso nos próximos dias aprimora os incentivos fiscais que já existem e elimina a burocracia que cerca sua concessão. Mas o mais provável é que essas mudanças beneficiem principalmente grandes companhias que já têm acesso a esses benefícios. A legislação em vigor permite que qualquer empresa pague menos impostos contabilizando de forma especial suas despesas com pesquisa e desenvolvimento de novos produtos. O objetivo é diminuir os custos de uma atividade que é arriscada por natureza mas pode ter resultados muito compensadores. O problema é que na prática isso só funciona quando as companhias têm lucros e precisam recolher os impostos que incidem sobre eles. Empresas pouco lucrativas, ou que se encontram no início do desenvolvimento de seus produtos e por isso vivem no prejuízo, não conseguem aproveitar essas vantagens. A mais recente avaliação oficial sobre o assunto dá uma boa idéia do grau de concentração desses benefícios. De acordo com um relatório encaminhado pelo Ministério da Ciência e Tecnologia ao Congresso, nos últimos dez anos 109 empresas conseguiram R$ 2,3 bilhões em incentivos fiscais depois de submeter seus projetos de pesquisa à análise do ministério. Como mostra a tabela abaixo, mais da metade dos benefícios foram concedidos a duas empresas, a Petrobras e a Embraer. No caso da estatal, a proporção entre os incentivos e os investimentos realizados é significativamente maior que a média. As facilidades introduzidas pelo projeto de lei do governo não mudam esse aspecto do problema. A proposta permite que uma parcela maior das despesas com pesquisa e desenvolvimento seja abatida e acaba com a necessidade de análise prévia dos planos das companhias pelo Ministério da Ciência e Tecnologia. Mas não foram criados instrumentos que poderiam ampliar o universo de empresas beneficiadas pelos incentivos. O governo promete resolver isso pondo para funcionar um mecanismo novo que nasceu com a Lei de Inovação, aprovada no fim do ano passado. Ela criou uma subvenção econômica que o ministério pode usar para transferir recursos públicos diretamente para projetos de empresas privadas. A intenção do governo é usar esse instrumento para estimular a inovação em micro e pequenas empresas que não têm a mesma facilidade que as grandes para usar os incentivos fiscais tradicionais. A subvenção ainda não está em condição de uso, porque a definição das regras que vão orientar a concessão do benefício gerou uma disputa dentro do governo. O Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior deseja influir na distribuição das subvenções, mas o Ministério da Ciência e Tecnologia não quer compartilhar a administração do dinheiro. Enquanto o impasse não é solucionado, uma maneira de avaliar as intenções do governo é examinar a forma como ele tem administrado uma subvenção semelhante, criada por uma lei de 2001 para beneficiar empresas com projetos aprovados pelo Ministério da Ciência e Tecnologia. Seu orçamento vem sofrendo cortes drásticos. No ano passado, somente seis empresas receberam esse benefício, todas de grande porte. É inútil gritar contra a China Quem levar ao pé da letra a conversa da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp) talvez acredite que a competição com a China vai destruir a indústria nacional. Quem perguntar ao governo ficará com a impressão de que os líderes empresariais estão apenas jogando para a platéia. A verdade provavelmente está no meio do caminho. Para o economista Antonio Barros de Castro, diretor de planejamento do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), em muitas áreas talvez seja inútil brigar com os chineses. Castro tocou no tema num artigo recente, preparado para um seminário internacional realizado em março. Ele lembra que o Brasil foi um dos poucos países em desenvolvimento que sobreviveu à abertura comercial das últimas décadas preservando sua estrutura industrial quase intacta, mas sugere que será muito difícil mantê-la assim para sempre. "A indústria brasileira poderá ser forçada a uma nova reestruturação de suas forças competitivas. E desta vez dificilmente poderemos escapar de uma especialização mais profunda da produção", afirma Castro. Uma saída seria imitar a estratégia dos vários grupos multinacionais que transferiram linhas de produção para a China mantendo na matriz atividades nobres como pesquisa e desenvolvimento. Para as empresas brasileiras, diz Castro, este seria "um movimento particularmente fértil e adequado para ser alavancado por políticas industriais centradas no desenvolvimento de capacidade inovadora".