Título: Mudança de credo mantém pobreza
Autor: Maria Cristina Fernandes
Fonte: Valor Econômico, 22/04/2005, Política, p. A6

O brasileiro muda mais de religião do que de renda, ocupação, estado civil ou número de filhos. De 1940 para cá, de acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), a filiação católica perdeu 21 pontos percentuais. A migração se deu em direção às igrejas evangélicas, hoje com 16,2%% da adesão religiosa no país, e para o indiferentismo religioso, opção de 7,3% da população. Ainda assim o Brasil permanece a maior nação católica do mundo, com cerca de 126 milhões de fiéis, o equivalente a três quartos de sua população. A baixa correlação entre o declínio do catolicismo no país e o incremento no perfil sócio-econômico da população é analisada pelo economista Marcelo Neri no estudo "Retratos das Religiões no Brasil", divulgado esta semana pela Fundação Getúlio Vargas. O economista indaga por que a tese do filósofo alemão Max Weber sobre as afinidades entre a ética protestante e o desenvolvimento do capitalismo, apresenta desajustes quando transposta ao Brasil. Se é verdade que a onipresença do catolicismo acompanhou os séculos de incipiente desenvolvimento social do país, seu declínio não estaria sendo acompanhado, na mesma proporção, pela melhoria de vida da população. Os dados da pesquisa são eloquentes. As diversas ramificações evangélicas estão menos presentes na população de mais alta escolaridade e renda. Em contrapartida, as igrejas pentecostais, variante evangélica que mais cresce no país, estruturaram-se empresarialmente. Neri diz que, da mesma forma com que, historicamente, o protestantismo tradicional liberou o cidadão comum da culpa de acumulação de capital, as novas seitas pentecostais liberaram a acumulação privada através da organização de suas igrejas, que inclui emissoras de televisão e sistema de franquia. O economista da Fundação Getúlio Vargas oferece como explicação possível à permanência da população evangélica em condições sócio-econômicas menos favorecidas, o fato de sua expansão ter-se dado num momento da história do país em que paira a descrença sobre as chances de ascensão social. Sem paralelo com a ascensão dos protestantes tradicionais, que, a partir do século XVI, alavancaram a expansão do capitalismo, as novas crenças pentecostais no Brasil buscariam na mediação das estruturas de suas igrejas a chance da emergência social. No "Atlas da Filiação Religiosa", o primeiro grande estudo publicado a partir dos dados do IBGE, um grupo de pesquisadores liderado por Cesar Romero Jacob, da Pontifícia Universidade Católica (PUC) do Rio, identifica no Norte e Centro-Oeste, regiões de mais recente presença do Estado, os maiores percentuais de redução do catolicismo.

Declínio do catolicismo não trouxe mais riqueza

Todos os cinco Estados mais católicos do país estão no Nordeste - Piauí (90%), Ceará (87%), Paraíba (85%), Rio Grande do Norte (84%) e Maranhão (83%). Além do Norte e Centro-Oeste, o Atlas identifica acentuado avanço evangélico em áreas onde se encontram repetidoras da Rede Record, emissora da Igreja Universal do Reino de Deus e localiza o Estado do Rio como o de menor presença católica do país (56%). No final dos anos 90, o Instituto de Estudos Religiosos do Rio conduziu uma pesquisa com pentecostais do Rio e constatou que 61% ganhavam até dois salários mínimos. Com imagem ampliada pela emissora, a Igreja Universal não lidera o pentecostalismo no país. A Assembléia de Deus e a Congregacional Cristã do Brasil são maiores. Entre as igrejas evangélicas tradicionais, a de maior presença no país é a Batista, com 1,7% da população. A filiação espírita chega a ser mais elevada do que a dos pentecostais da Igreja Universal. O catolicismo vem perdendo espaço no país não apenas para as religiões evangélicas mas também para a secularização. Consideradas separadamente, todas as igrejas evangélicas perdem em adesão para a fatia da população brasileira que se declara sem religião. O secularismo não é um fenômeno brasileiro e, em países como Inglaterra, França e Alemanha, tem avançado paralelamente ao desenvolvimento econômico. O padrão, no entanto, não é homogêneo. Na maior potência econômica do planeta, os Estados Unidos, a frequência às igrejas mantém-se elevada. Em países de predomínio católico como a Polônia, a Irlanda e as Filipinas, os fiéis permanecem praticantes em sua crença religiosa. Outros países como a Itália, o Canadá e a Holanda têm alternado períodos de declínio e estabilidade na frequência às igrejas. O que mais dificilmente observa nesses países com declínio na frequência religiosa é uma reversão continuada do fenômeno. Não há registro de muitos outros exemplos como o da Polônia, que no pontificado de João Paulo II, experimentou um acentuado aumento na filiação católica. No Brasil, o "Atlas da Filiação Religiosa" mostra que, a prosseguir o atual ritmo de migração religiosa no país, em 2010 os católicos serão 65% da população. A chance de um brasileiro tornar-se católico cai 28% a cada década. O mapeamento não faz prognósticos se, assim, o país permanecerá a maior nação católica do mundo. Nem tampouco se a diversidade ou a indiferença religiosas serão acompanhadas de um incremento nas condições de vida da população.