Título: Declaração de Lula sobre Alca reflete desânimo de negociadores
Autor: Tatiana Bautzer e Sergio Leo
Fonte: Valor Econômico, 22/04/2005, Brasil, p. A3

A afirmação do presidente Luiz Inácio Lula da Silva de que a Área de Livre Comércio das Américas (Alca) está fora da pauta do governo pode ter sido pouco diplomática, mas não totalmente surpreendente para os negociadores brasileiros. Segundo fontes, não houve ordem oficial do Ministério das Relações Exteriores desmobilizando a negociação, mas os sinais de desânimo com a falta de resultados vêm se acumulando. Uma reunião, marcada para 30 de março, entre os co-presidentes da Alca, o brasileiro Adhemar Bahadian e o americano Peter Allgeier, foi adiada. A explicação foi um problema de agenda devido à viagem do ministro das Relações Exteriores, Celso Amorim, à África e a falta de contato do ministro com o co-presidente Bahadian. Um diplomata brasileiro, perguntado sobre uma nova data para a reunião, disse que as negociações estavam suspensas e que "não faz sentido continuar a negociar se não há como superar os impasses". Segundo ele, "cria-se a expectativa de negociação mas não se chega a um resultado". Por isso não houve nova reunião. Mas no Brasil, pelo menos oficialmente, a Alca continua na agenda do governo. Não há, segundo o Itamaraty, nenhuma determinação para que o país se retire das negociações. O co-presidente brasileiro, Adhemar Bahadian, deverá se encontrar, no início de maio, para discutir com o co-presidente americano, Peter Allgeier, os rumos que as discussões devem seguir. Segundo um assessor do presidente, Lula, com suas declarações, estaria apenas descrevendo o que aconteceu depois dos impasses na Alca e o avanço das discussões, no continente, dos acordos bilaterais de comércio - que teriam "deslocado o foco" das negociações comerciais. "Tiramos a Alca de pauta e de que jeito? Fortalecendo o Mercosul e criando a Comunidade Sul-Americana de Nações. O objetivo é não ficar dependente dos Estados Unidos ou da União Européia, mas fazer isso sem precisar brigar, porque eles são parceiros individuais importantes para o Brasil", disse um diplomata brasileiro. Há alguns meses analistas vinham prevendo a "morte" da Alca, mas com dúvidas sobre quem seria o primeiro a explicitar o fracasso. O porta-voz do USTR (United States Trade Representative, o ministério do Comércio Exterior) Richard Mills, disse ontem que "como co-presidentes, Brasil e EUA têm uma responsabilidade com os parceiros no hemisfério na liderança das negociações; continuamos buscando os objetivos da Alca e esperamos que o Brasil continue trabalhando conosco", afirmou. As negociações da Alca estão paradas há mais de um ano, desde a interrupção da reunião de Puebla, no México, em fevereiro de 2004. O ritmo das negociações desacelerou-se com as eleições nos EUA, mas em dezembro, uma carta do USTR Robert Zoellick, ao ministro Celso Amorim reabriu as conversas. Desde então, duas reuniões ocorridas entre Bahadian e Allgeier não mostraram progresso. O principal problema do ponto de vista brasileiro é a exigência dos EUA de um artigo enfatizando a necessidade de cumprimento de acordos sobre propriedade intelectual e a recusa em garantir negociação de redução de tarifas para todos os produtos. O Brasil também teme acesso a mercado prejudicado por optar pelo nível 1 da Alca em vez do nível 2. Só azedou mais o clima a decisão dos EUA de manter por mais seis meses a revisão do status do Brasil no Sistema Geral de Preferências (SGP) por ineficiência no combate à pirataria. Com isso, US$ 2 bilhões em exportações anuais podem perder benefícios tarifários. Ontem, o novo USTR, Robert Portman, mencionou o Brasil em seu depoimento de confirmação no Comitê de Finanças do Senado. "Se confirmado (....) continuarei o esforço para criar a Alca, trabalhando com o co-presidente e parceiro Brasil."