Título: Cúpula entre UE e Mercosul planejada pela Argentina provoca confusão
Autor: Assis Moreira
Fonte: Valor Econômico, 22/04/2005, Brasil, p. A3

A Argentina está tentando impulsionar uma reunião de cúpula entre presidentes do Mercosul e colegas da Alemanha, Espanha, França e Inglaterra para destravar politicamente a negociação do acordo de livre comércio birregional. Mas até agora a idéia provoca confusão diplomática nos dois blocos, segundo fontes. Quem primeiro sugeriu uma "cúpula 4+4" (quatro de cada lado), numa espécie de diretório político para impulsionar o processo negociador, foi o chefe do governo espanhol, Jose Luis Rodriguez Zapatero. A iniciativa tomou fôlego após encontro em Berlim do presidente argentino Néstor Kirchner com o chanceler Gerhard Schröder. A partir daí, a chancelaria argentina começou a trabalhar para definir local e data para a cúpula. Mas no Mercosul há uma perplexidade sobre a idéia. Os termos de referência citados por Kirchner não deixam claro se a iniciativa se limitará ao acordo birregional. Ao mencionar os possíveis convidados, ele deixou de fora o Paraguai, membro do Mercosul, e citou o Chile ao lado da Argentina, Brasil e Uruguai. Isso já deixaria a discussão capenga. O Chile, sócio parcial do bloco, já tem seu próprio acordo preferencial com a UE. Do lado europeu participariam Zapatero, Schröder, o presidente francês, Jacques Chirac, e o primeiro-ministro inglês, Tony Blair. A Comissão Européia, braço executivo da UE, tampouco está contente. Setores da Comissão dizem informalmente que os presidentes podem fazer o que quiserem, mas é Bruxelas que tem a responsabilidade por negociações comerciais. Teme-se que essa cúpula seja contraprodutiva. Os outros Estados membros podem depois se opor ao que for acertado. A expectativa mais realista é de que esse tipo de iniciativa produza nova declaração conjunta de boa vontade. O divisor entre os dois blocos é se pode haver liberalização do comércio agrícola na UE. Desde a malograda tentativa de concluir o acordo em outubro de 2004, em Lisboa, os dois lados não conseguem se entender sobre como retomar a negociação e cresce a desconfiança sobre os objetivos recíprocos de liberalização. Dentro da Comissão Européia, parece haver uma exasperação e mesmo uma competição entre comissários para ver quem primeiro consegue recolocar a negociação nos trilhos. É que um acordo com o Mercosul, antes da conclusão da Rodada Doha, pode alavancar a posição européia na Organização Mundial do Comércio (OMC). Um acordo birregional legitima a Política Agrícola Comum em sua configuração atual e conseqüências. Se o Mercosul aceita cotas, limita sua margem de manobra na Rodada Doha para exigir mais acesso ao mercado. Os europeus terão mais força para só oferecer liberalização limitada através de cotas também no multilateral, com cota para uma série de produtos. Negociadores do Mercosul recomendam prudência. Acham que deve prevalecer paralelismo com a negociação da OMC. As duas negociações se complementariam, em vez de uma (a birregional) ser usada pelos europeus para ter vantagem sobre a outra (a Rodada Doha).