Título: Para oposição, STF impediu mais intervenções
Autor: Raymundo Costa, Juliano Basile e Janaína Vilela
Fonte: Valor Econômico, 22/04/2005, Política, p. A7

Além de jurídica, o presidente governo Lula sofreu uma derrota política, na última quarta-feira, quando por dez votos a zero o Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu que é inconstitucional a intervenção federal nos hospitais do Rio. A decisão deu discurso à oposição, que procura carimbar de "autoritário" o governo petista, e tranqüilidade ao PSDB, que temia ação parecida contra o governo Geraldo Alckmin, eventual candidato tucano à sucessão de Lula em 2006. "A decisão do Supremo não deixa margem à dúvida", disse Alckmin ontem em Ouro Preto. (ver reportagem à página 6) "É uma decisão de respeito à autonomia dos Estados, dos municípios e à nossa estrutura republicana", disse o presidente do PSDB, senador Eduardo Azeredo (MG). Para o líder do PFL na Câmara, Rodrigo Maia (RJ), pelos votos dos ministros "o Supremo mostrou que era um ato (a intervenção) muito mais grave que se imaginava - caracterizou que o governo tinha tomado uma decisão fora da legalidade, arbitrária e política". Segundo Rodrigo, que é filho do prefeito do Rio, César Maia, a manifestação do Supremo "barra a escalada autoritária do PT". A decisão de intervir nos hospitais do Rio foi tomada pelo governo logo após o PFL anunciar a candidatura de César Maia a presidente. Foi provocada pelo ministro Humberto Costa (Saúde), que estava com a cabeça a prêmio na reforma ministerial, mas teve o aval de Lula e de ministros que integram a coordenação política do governo. No governo, há quem avalie que a decisão foi favorável porque Humberto Costa entrara no Rio, com a aprovação da população, e agora não sabia como sair. O secretário municipal de Saúde, Ronaldo Cezar Coelho, recebeu carta branca do prefeito do Rio, Cesar Maia, para retomar, a partir de hoje, as negociações com o Ministério da Saúde. Em entrevista ao Valor, o secretário afirmou que voltará a discutir com os representantes do ministério a correção dos valores repassados mensalmente para os hospitais federais, que, segundo ele, estão congelados há 10 anos. "A comparação entre as verbas de custeio, destinadas pelo ministério aos seus hospitais próprios, e aquelas enviadas aos hospitais federais sob gestão do município mostra uma total discriminação com as unidades da prefeitura", reclamou o secretário. De acordo com ele, para se ter uma idéia do prejuízo, o hospital da Lagoa - municipalizado - recebe atualmente por ano R$ 22 milhões, o mesmo que recebia em 1999, enquanto o hospital federal da Posse, em Nova Iguaçu, recebe R$ 45 milhões. "O hospital da Posse é menor do que o da Lagoa e recebe o dobro dos recursos", afirmou Ronaldo. O secretário também espera retomar as negociações para o pagamento de uma dívida referente a substituição de 1.594 servidores federais, aposentados até 2004, por profissionais de saúde dos quadros municipais. Pelos seus cálculos, a União deve R$ 192,6 milhões em pagamentos atrasados e corrigidos de 2000 a 2004. O ministério reconhece a dívida, só que num valor inferior. O deputado federal Moreira Franco (PMDB-RJ) afirmou que a imagem do ministro da Saúde, Humberto Costa, sai arranhada . "O ministro levou o presidente a um erro legal. Tomou uma decisão que não era embasada", afirmou. A deputada federal Denise Frossard (PPS) concorda. "Juridicamente a decisão do Supremo foi acertada. Agora, se ambos (o governo federal e o prefeito) resolveram fazer dessa intervenção uma ponte política, foi lamentável". Entre os ministros que votaram contra o decreto, três foram indicados por Lula para o STF: Cezar Peluso, Carlos Britto e o relator da ação, Joaquim Barbosa. "A União retirou do município o poder de gerir seus bens e, nestes termos, a meu ver, configura uma fraude constitucional, pois seu resultado prático é a intervenção", atacou Peluso. "Entendo que o município foi desafetado de um serviço que lhe é próprio sem processo administrativo ou judicial", completou Britto. Joaquim Barbosa tentou uma solução de consenso, mas após ouvir os colegas, convenceu-se da gravidade do decreto e também votou contra. "A ampliação para requisição de recursos financeiros municipais poderia ferir de morte a autonomia municipal", justificou. O presidente do STF, ministro Nelson Jobim, que mantém um bom relacionamento com o governo federal, disse que a medida fere o pacto federativo, segundo o qual o governo federal não pode intervir nos municípios, mas apenas nos estados e no Distrito Federal. Os demais ministros foram unânimes na crítica. Gilmar Mendes afirmou que as intervenções são medidas excepcionais e, portanto, têm prazo certo para durar, o que não aconteceu com o decreto de Lula. Para Mendes, a vingarem tais medidas, "teríamos intervenções tópicas, tornando o prefeito ou governador um tipo de rainha da Inglaterra". Marco Aurélio Mello disse que esse episódio foi emblemático por mostrar a perda de parâmetros constitucionais pelo governo. Carlos Velloso disse que a medida era "inconstitucionalíssima". Ellen Gracie reiterou que houve desrespeito ao pacto federativo. (Colaborou Ivana Moreira, de Ouro Preto)