Título: Estratégias e desafios do comércio exterior (VI)
Autor: Ricardo Mendes e Ricardo Sennes
Fonte: Valor Econômico, 22/04/2005, Opinião, p. A10

Acrescente articulação entre o Brasil e a Ásia não se restringe à intensificação das relações políticas e aumento dos fluxos comerciais com a China. Em outubro de 2004, o presidente sul-coreano, Roh Moo-hyun veio ao Brasil com uma agenda bastante complexa, incluindo, entre outros, os seguintes temas: a possibilidade de lançar um acordo de livre comércio entre o Mercosul e a Coréia, o apoio brasileiro à entrada do país asiático no Banco Interamericano de Desenvolvimento, cooperação na área de tecnologia da informação e a aproximação das empresas de construção dos dois países. A visita do chefe de Estado coreano será retribuída pelo presidente Lula em maio e não serão fáceis as costuras políticas e comerciais que a delegação brasileira terá que fazer em Seul para a consolidação dessa parceria. Em um panorama histórico, Brasil e Coréia do Sul assemelham-se por suas industrializações tardias e pela presença moduladora do Estado nas estratégias industriais. No que concerne às diferenças, podemos descrevê-las como antípodas em termos de modelo de desenvolvimento, no desenrolar de suas políticas educacionais e na consolidação do sistema financeiro. O Brasil cresceu a partir do seu mercado interno, enquanto a Coréia optou deste o início pela inserção externa, contando, é claro, com a franca abertura do mercado e investimentos dos EUA. Ocorreram também investimentos maciços em educação e a constituição de um sistema financeiro nacional privilegiaram a formação de conglomerados empresariais em setores estratégicos da economia global. Também do lado comercial, as assimetrias são bastante claras. O Brasil possui com a Coréia do Sul uma pauta bastante concentrada, seja nas exportações como nas importações.

Pouco mais da metade de nossas vendas externas para a Coréia são de cereais, minérios e ferro. O restante é composto de produtos básicos e primários, com a exceção do capítulo de automóveis, autopeças e tratores, que participa com 5% da pauta exportadora. Já no caso das importações, 80% são provenientes dos segmentos de máquinas e equipamentos, aparelhos elétricos, eletrônicos e de telecomunicações, além dos instrumentos de óptica e fotografia - ou seja, setores que concentram os produtos da nova vanguarda tecnológica. Não por um acaso, desde 1998, o único ano que tivemos superávit comercial, de quase US$ 150 milhões, foi o de 2003, graças à compressão do consumo e do investimento nacionais num quadro recessivo. Já no ano passado, apenas no setor eletroeletrônico, o Brasil apresentou um déficit superior a US$ 1 bilhão. Para o conjunto dos setores, o déficit foi de US$ 300 milhões, resultado do crescimento de 60% das importações, contra 17% das exportações. Trata-se, portanto, de um mercado com o qual o Brasil tem uma apertada margem de ganho em termos comerciais, a não ser que se consiga aproveitar a missão oficial para a Coréia e promover setores com potencial exportador e que hoje participam irrisoriamente da pauta comercial; e, no âmbito da OMC, reduzir o forte protecionismo agrícola dos coreanos. Existe, por exemplo, espaço para que a exportação de automóveis, aviões e de alguns tipos de máquinas.

Obras públicas estão entre as possíveis parcerias entre empresas brasileiras e coreanas no Brasil

Ao contrário do que fizeram os chilenos, para melhorar o perfil com este país dependemos menos da assinatura de um tratado de livre-comércio no âmbito do Mercosul e mais de uma forte pressão política e comercial, além de acordos setoriais, os quais poderão ser viabilizados quando da visita do presidente Lula. Outro tema de interesse na relação Brasil-Coréia envolve o setor de infra-estrutura. No momento em que o país se prepara para um novo "boom" no setor de infra-estrutura com o impulso das parcerias público privadas, as empresas de construção coreanas estão buscando meios para participar desse processo. Ainda que o papel do BID como fonte de financiamento para as grandes obras de infra-estrutura no Brasil seja limitada, a entrada da Coréia no Banco sinaliza a estratégia de uma maior inserção das construtoras coreanas na região. Aqui também se nota uma clara desvantagem das empresas brasileiras em relação às suas contrapartes coreanas. Seis empresas coreanas, entre elas Hyunday Engineering and Construction, Daewoo Engineering and Construction e Samsung Engneering, estão entre as 225 maiores empresas de construção do mundo. Essas empresas obtiveram juntas receita líquida de quase US$ 10 bilhões em 2004, sendo que cerca de 27% desse total provém de obras executadas no exterior. No mesmo ranking, preparado pela revista Engineering News Record, constam três empresas brasileiras, que juntas obtiveram receita líquida de aproximadamente 2,4 bilhões em 2004, da qual 64% em obras executadas no exterior. A possibilidade de cooperação entre empresas brasileiras e coreanas sem dúvida terá um papel importante tanto para o financiamento das obras públicas, como para o aprimoramento das construções com o know-how e a experiência dos coreanos. Aqui, no entanto, o trabalho a ser feito dependerá não apenas dos esforços dos nossos negociadores públicos, mas principalmente de uma boa articulação entre as partes privadas. Diga-se de passagem, a "diplomacia de negócios" é uma das principais especialidades das empresas brasileiras. Não obstante a pauta comercial e a cooperação entre as construtoras dos dois países, as maiores possibilidades de relacionamento econômico entre o Brasil e a Coréia parecem se encontrar no plano produtivo e financeiro. Em termos de investimentos externos diretos coreanos no Brasil, este país foi um dos que apresentou maior expansão em termos relativos do estoque de capital no Brasil entre 1995 e 2000, perdendo apenas para a Espanha. Estima-se que o total investido por empresas coreanas como Posco, Samsung Eletrônicos, LG Eletrônicos, Pantech, Huvis, VK Korea, Dong Steel, entre outras, seja da ordem de US$ 1 bilhão. A melhoria da pauta comercial, a possibilidade de empresas do setor de construção cooperarem em obras de infra-estrutura no Brasil e a manutenção dos fluxos de investimentos coreanos para o país são questões fundamentais com os quais o presidente Lula deverá se preocupar durante sua viagem para a Coréia. Essa pode ser uma ótima oportunidade para ampliar a estratégia do Brasil na Ásia, para além das relações com a China.