Título: Mandarins na gestão
Autor: Angelo Pavini
Fonte: Valor Econômico, 22/04/2005, EU &, p. D1

Junto com o crescimento dos gestores independentes no Brasil, chama a atenção o número de ex-integrantes do governo que atua na área. A passagem pelo Banco Central ou por um ministério importante acaba funcionando como uma vitrine, um poderoso cartão de visitas na hora de conquistar clientes. Mas pode também se transformar em um pesado fardo quando, no dia-a-dia, os resultados dos fundos administrados não são os esperados e qualquer deslize acaba sendo ampliado por esse mesma vitrine. Que o diga o ex-presidente do Banco Central Ibrahim Eris. Primeiro grande gestor independente, ele criou em meados dos anos 90 a Linear, tornando-se um dos pioneiros na criação de fundos hedge (atuais multimercados). Eris foi atingido em cheio pela Crise da Ásia, que provocou perdas nos mercados emergentes pelo mundo todo. No Brasil, grandes bancos de investimento tiveram perdas até maiores que as da Linear e acabaram vendidos, mas o que ficou na memória foram as perdas da gestora do ex-presidente do BC, que hoje administra apenas recursos próprios e dá consultoria a empresas. A experiência ajudou, porém, a desenvolver o setor de fundos hedge no Brasil e aperfeiçoar os sistemas de controle de risco que permitiram o crescimento dos multimercados até o patrimônio atual de R$ 118 bilhões. Mais recentemente, as atenções se voltaram para a estréia de outro ex-presidente do BC, Armínio Fraga. Reunindo vários integrantes da equipe econômica do governo anterior, ele fundou a Gávea, logo apelidada de "BC paralelo" pela concorrência. Além da passagem pelo BC, Fraga trouxe a experiência de trabalhar com o megainvestidor George Soros na gestão de fundos hedge globais. O resultado foi que a Gávea estreou no mercado com uma fila de investidores dispostos a aplicar seus recursos e impondo condições de carência de resgate que nenhum outro gestor independente havia conseguido. E, até agora, a empresa vai muito bem, com patrimônio acima de R$ 700 milhões. Recentemente, o sócio Luiz Fernando Figueiredo, ex-diretor de Política Monetária do BC, deixou a Gávea para fundar sua própria asset, a Mauá, que começou a operar em março deste ano. A vantagem de passar pelo governo vai depender do tipo de gestão que o executivo vai exercer, se ligada a bancos ou independente, explica Demósthenes Madureira de Pinho Neto, ex-diretor do BC. Pinho Neto se enquadra no primeiro tipo, respondendo pela área de Atacado do Unibanco e pela Unibanco Asset Management (UAM). "Quando você está ligado a um banco de varejo, o tipo de produto que oferece é necessariamente mais conservador", afirma. "Assets independentes volta e meia 'trocam o pé' e têm cota negativa pela volatilidade que assumem", diz, lembrando que o cliente de varejo não entende as flutuações e questiona não só a capacidade de gestão de recursos da instituição, como a própria solvência do banco. A filosofia de gestão dos dois grupos também é bastante distinta, destaca Pinho Neto. Os fundos mais voláteis entram e saem dos mercados a todo momento. Só quando está claro que o mercado vai em uma determinada direção, eles sossegam em determinada aposta. "Mas quando não há essa clareza do futuro, o que dá ganho a esses fundos é o giro de negócios onde o talento do gestor faz a diferença". Já nos mais conservadores, não há espaço para grandes mudanças de rumo mesmo diante de eventuais turbulências políticas e econômicas. "Ficamos com o cliente na alegria e na tristeza." Já para os gestores independentes, os mandatos dados pelos clientes são muito mais abertos. "E aí ter um 'feeling' ajuda, e muito, especialmente quando todos estão otimistas", diz Pinho Neto. "É nos momentos de euforia que as coisas no governo ficam caóticas." Para ele, em períodos de maior turbulência, ajuda muito ter passado pelo governo. "Quem não passou tem visão um pouco ingênua, acha que quem está lá sabe muito mais sobre o que está fazendo, que existe menos improviso do que de fato existe", diz. E ele dá o exemplo do Copom. "Vejo a cada ata uma enorme especulação sobre o que queriam dizer com esta ou aquela palavra", afirma. "Na verdade, eles quebram o pau, não se consegue juntar três opiniões iguais, é um processo decisório tenso e em condições caóticas". A experiência de passar pelo Banco Central sempre ajuda o gestor a ter uma visão mais ampla do que ocorre no mercado, diz Luiz Fernando Figueiredo. "Trabalhar no governo é um processo de aprendizado muito grande, é como fazer um doutorado", diz ele, lembrando porém que a cobrança também é maior. "Não é uma cobrança direta, mas as pessoas acabam vendo você como alguém mais experiente", diz. "Mas em pouco tempo os investidores percebem que ninguém é Deus, todo mundo apanha em determinados momentos". Para ele, passar pelo governo não é o fator determinante para o sucesso do gestor. "É preciso muito trabalho, dedicação, disciplina e humildade, isso é que tem chance de dar certo." A ligação com o governo pode representar um problema sério em alguns casos. Foi o que aconteceu com a Link Corretora, dos filhos do ex-ministro das Comunicações e ex-presidente do BNDES Luiz Carlos Mendonça de Barros. Acusada de usar a influência do ministro para conquistar clientes, a corretora chegou a despencar de segunda maior em volume na BM&F em 1999 para o 20º lugar. Hoje, ela é novamente uma das líderes, negociando diariamente R$ 10 bilhões em contratos futuros. "Aos poucos fomos mostrando nosso trabalho e os clientes entenderam isso e nos respeitam", diz Daniel Mendonça de Barros, sócio da Link e da Quest, braço de investimentos do grupo. Hoje, Luiz Carlos é responsável pela estratégia da Quest, com patrimônio de R$ 477 milhões. No caso do ex-presidente do BC, Gustavo Franco, a presença na gestão de fundos é indireta, pela participação de 10% da Rio Bravo na administradora independente Fidúcia. A gestora não tem tido um ano muito bom, com seu principal fundo multimercado com ganho abaixo do CDI e saques elevados.