Título: Com choques de oferta, IPCA vai superar 6% este ano
Autor: Sergio Lamucci
Fonte: Valor Econômico, 25/04/2005, Brasil, p. A3

Passados quase quatro meses do ano, está cada vez mais claro que a inflação de 2005 vai ficar acima de 6%. Uma série de choques de oferta - alta do petróleo e de outras commodities, estiagem do Sul do país e reajustes elevados de tarifas de energia elétrica - deve fazer o Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) superar com folga a meta perseguida pelo Banco Central (BC), de 5,1%, mesmo com a Selic na estratosfera e o dólar abaixo de R$ 2,60. A boa notícia é que, pelo menos por enquanto, os analistas consideram baixo o risco de a inflação furar o teto da meta, de 7%. O economista Carlos Thadeu de Freitas Gomes Filho, do grupo de conjuntura da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), diz que, sem os choques de oferta, o IPCA estaria bem comportado, caminhando para fechar 2005 em 5,5%. O relatório de inflação do BC do primeiro trimestre, por exemplo, projetava uma inflação dessa magnitude. A questão é que ocorreram vários choques que devem impedir esse cenário, afirma ele.

Uma fonte de turbulência é o comportamento dos preços do petróleo. As cotações do produto voltaram a subir neste ano, colocando pressão sobre os preços industriais no atacado. Produtos como querosene para motores e óleos combustíveis dispararam, uma vez que são reajustados a cada 15 dias pela Petrobras. O primeiro subiu 13,77% entre 11 de março e 10 de abril, de acordo com o Índice Geral de Preços-10 (IGP-10) deste mês. Para Gomes Filho, é muito provável que o governo seja obrigado a aumentar neste ano a gasolina e o óleo diesel, produtos que têm impacto importante sobre o IPCA mas cujo reajuste não tem uma periodicidade definida. Ele já conta com um reajuste de 5% da gasolina. A projeção do BC, de 5,5% para o IPCA, não embute nenhum reajuste para a gasolina e óleo diesel neste ano. Gomes Filho, que estima um IPCA de 6,3% em 2005, deve elevar a previsão para 6,5%. A disparada dos preços do petróleo é apenas um dos choques em curso. O economista Sérgio Vale, da MB Associados, cita também a alta dos preços agrícolas no atacado - de 3,26% em abril, de acordo com o IGP-10 -, devido ao aumento das commodities e à quebra de safra causada pela estiagem no Sul do país. Por enquanto, a pressão sobre o atacado não provocou elevações significativas dos preços de alimentos no varejo, mas é um fator que deve ser acompanhado. Vale aponta outro choque: os aumentos acima do esperado das tarifas de energia elétrica que estão sendo autorizados pela Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) às concessionárias. Na semana passada, a Aneel permitiu reajustes de 23,59% no caso da Coelba (Bahia) e de 21,21% no da Coelce (Ceará). O economista Adriano Lopes, do Unibanco, acredita que, em média, as tarifas de energia vão subir 15% em 2005, uma projeção bem acima da estimativa do BC, de 9,5%. Com o comportamento inesperado do petróleo e das tarifas de energia neste ano, a previsão do BC para o aumento de preços administrados em 2005, de 6,9%, parece muito otimista. Gomes Filho, por exemplo, prevê uma elevação de 8,1%, considerando possível um reajuste de até 9%. O resumo da história é que os analistas consideram impossível o cumprimento da meta de 2005. Como o IPCA registrou alta de 1,79% no primeiro trimestre, seria necessário que o indicador subisse apenas 0,36% ao mês de abril a dezembro. Em abril, o índice deve ficar em 0,7%, estima Vale. Se os 5,1% são considerados inatingíveis, a possibilidade de a inflação superar o teto da meta, de 7%, parece remota. Para Vale, seria necessário um novo e forte choque de oferta para que isso ocorresse. Gomes Filho avalia que se os preços livres - os definidos pelo mercado - ficarem abaixo de 6% no acumulado do ano, a inflação não supera os 7%. E isso lhe parece bastante provável, já que esses preços estão comportados. Nos 12 meses terminados em dezembro, eles registraram alta de 6,55%, número que caiu para 6,06% nos 12 meses encerrados em março. Se a inflação deve ficar acima da meta de 5,1%, o BC não deveria continuar com o aperto monetário? Vale e Gomes Filho avaliam que não, pois a inflação tem sido pressionada por choques de oferta, que não respondem diretamente à alta de juros. O que o BC tem que impedir, afirma Gomes Filho, é que o aumento de preços provocado pela disparada do petróleo e outras commodities, por exemplo, se propague pela economia. A elevação da Selic desde setembro, de 16% para 19,5% ao ano, seria suficiente para impedir esse risco. A alta dos juros da semana passada, aliás, foi considerada desnecessária pela maior parte dos analistas, justamente porque não está em curso uma pressão de demanda sobre a inflação, mas sim de oferta. Além disso, os aumentos de juros mais recentes ainda vão afetar a economia nos próximos meses, uma vez que a política monetária age com uma defasagem sobre a atividade e os preços. Mas não há apenas más notícias no front inflacionário. Lopes lembra que o câmbio valorizado deve ajudar o BC na luta contra a alta dos preços, como já ocorreu no primeiro trimestre. De janeiro a março, os preços dos bens comercializáveis internacionalmente, afetados diretamente pelo dólar, aumentaram 0,87%, enquanto o IPCA cheio subiu 1,79%. Além disso, a atividade econômica dá sinais de desaceleração, afirma ele. A produção industrial, por exemplo, caiu 1,2% em fevereiro em relação ao mês anterior, na série livre de influências sazonais. Em resumo, não há pressão de demanda sobre os preços, pelo contrário. Com isso, o câmbio valorizado e a desaceleração da economia devem pelo menos impedir que o teto da meta seja superado, ainda que não devam derrubar a inflação para a meta de 5,1%.