Título: Divergências entre ministérios esvaziam resoluções do Conac
Autor: Daniel Rittner
Fonte: Valor Econômico, 25/04/2005, Brasil, p. A4

Um ano e meio após a sua última reunião, o Conselho Nacional de Aviação Civil (Conac), órgão interministerial responsável pela formulação de políticas para o setor, ficou totalmente esvaziado. O governo conseguiu implementar uma quantidade pífia das determinações feitas em outubro de 2003. Na ocasião, foram publicadas 15 resoluções com o objetivo de fortalecer a já combalida aviação civil brasileira. As medidas para regulação do setor incluíam propostas de uma nova fórmula para reduzir o preço dos combustíveis de aviação, criação de uma linha de financiamento em reais para a aquisição de aviões da Embraer e de uma taxa a ser paga pelos passageiros de vôos domésticos para subsidiar rotas regionais menos rentáveis. De todas as determinações, apenas quatro saíram do papel. As demais esbarraram em divergências entre ministérios ou sequer avançaram no plano técnico. Apesar de caminhar em baixa velocidade, a discussão para implementar as resoluções estava sendo feita durante a gestão do embaixador José Viegas no Ministério da Defesa, pasta que preside e tem a secretaria-executiva do Conac. Além da Defesa, participam do conselho os ministérios da Fazenda, Casa Civil, Desenvolvimento, Relações Exteriores e o Comando da Aeronáutica. Na última reunião, também compareceram o Ministério do Turismo, BNDES, Infraero e DAC. A idéia de Viegas e dos seus principais assessores era implementar medidas de estímulo ao setor aéreo praticamente ao mesmo tempo em que uma solução fosse dada à crise da Varig. Com a queda de Viegas, e a substituição dele pelo vice-presidente José Alencar, a discussão estancou. A busca de uma saída para a Varig tem ocupado quase todo o tempo de Alencar no ministério e ele mesmo reconheceu, em reunião com sindicalistas em meados de fevereiro, mais de três meses após assumir a pasta, que desconhecia o teor das resoluções. "Falta vontade política para criar um ambiente mais favorável ao setor", afirma Graziella Baggio, presidente do Sindicato Nacional dos Aeronautas. Os próprios técnicos do governo dizem que, se medidas de estímulo à aviação tivessem sido anunciadas antes, até mesmo a Varig estaria em situação melhor. "É um erro paralisar essas discussões, que beneficiariam todas as empresas", observa um funcionário do governo que acompanha de perto o setor. Procurado pelo Valor, o Ministério da Defesa não se pronunciou. O chefe de gabinete de Alencar, Adriano Silva, que centraliza os contatos com a imprensa, pediu à reportagem que encaminhasse perguntas por correio eletrônico. Uma mensagem foi enviada no último dia 11, sem qualquer resposta. A execução daquelas resoluções seria o primeiro passo para colocar em prática um marco regulatório para a aviação civil. Elas também traziam uma série de medidas pontuais que poderiam representar economia para o caixa das companhias, como a redução do querosene de aviação. A escalada do petróleo no mercado internacional elevou as despesas com combustíveis para cerca de 27% do custo operacional das empresas - diferentemente da gasolina ou do diesel, o querosene é reajustado quinzenalmente e não acumula defasagem em relação à cotação no exterior. Nesse caso, a idéia do governo era mudar a fórmula que define o valor do combustível. Eliminando uma taxa chamada tecnicamente de "despesa de internalização", como queriam Casa Civil e Defesa, o preço do querosene diminuiria cerca de 16%. Nas discussões técnicas, Fazenda e Minas e Energia barraram qualquer mudança. As entidades que representam o setor aéreo lembram que, de janeiro de 1999 a fevereiro de 2005, o querosene subiu 897%. A gasolina aumentou, no mesmo período, 267%. "O governo reconheceu o caráter alarmante da situação ao criar um comitê técnico para cuidar do assunto. Entretanto, o grupo não chegou até hoje a qualquer conclusão", constata uma carta enviada por oito entidades, ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva, na semana passada. A equipe econômica tem vetado, até agora, outras duas mudanças específicas, previstas pelas resoluções, e de forte impacto setorial. A primeira é a internacionalização da Infraero, estatal responsável pela administração dos aeroportos brasileiros. Interessada em participar de licitações internacionais para atuar em aeroportos na América do Sul e na África, além de Miami, a Infraero precisa apresentar um projeto de lei ao Congresso, pedindo autorização para atuar no exterior. Três pastas já assinaram o projeto (Defesa, Desenvolvimento e Relações Exteriores), mas o ministro Antonio Palocci está há seis meses com o texto, sem ter dado a sua rubrica. Outra resistência apresentada pela Fazenda diz respeito à inclusão de aviões agrícolas (pulverizadores) no Moderfrota, programa de renovação de máquinas utilizadas no campo com juros subsidiados pelo Tesouro. O Ministério da Agricultura defende fortemente a medida, prevista em resolução do Conac, mas a sua visão ainda não prevaleceu. O governo obteve consenso e avançou tecnicamente na montagem de uma linha de financiamento em reais para a aquisição de aviões da Embraer. Por falta de condições mais favoráveis de crédito, Varig, TAM e Gol só têm aeronaves importadas, seja da Boeing ou da Airbus. A diretoria do BNDES está em fase final de aprovação da nova modalidade de financiamento, mas falta o Ministério da Fazenda definir os recursos da linha. Outras resoluções esbarram ainda na lentidão dos parlamentares. No fim do ano passado, a Comissão de Viação e Transportes da Câmara dos Deputados aprovou um projeto de lei que cria subsídios de cerca de R$ 80 milhões por ano a rotas aéreas de menor atividade comercial. Os recursos provirão de uma taxa, estimada entre R$ 4 e R$ 6, cobrada dos passageiros de todos os outros vôos domésticos. A idéia é fomentar a aviação regional por meio de "suplementação tarifária", mas o projeto ainda segue um longo caminho: precisa ser aprovado na Comissão de Constituição e Justiça da Câmara dos Deputados, antes de seguir para o Senado.