Título: Cade analisa efeito de fusões em setores estratégicos da economia
Autor: Juliano Basile
Fonte: Valor Econômico, 25/04/2005, Brasil, p. A12

O Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) está analisando concentrações de mercado em setores essenciais à economia, como o petroquímico e o siderúrgico. A criação da Braskem e a ampliação da Vale do Rio Doce são, hoje, os casos mais importantes em tramitação no Cade. Em ambos os casos, as empresas argumentam que a aprovação de seus negócios no Brasil será essencial para que possam competir com grandes conglomerados internacionais e ampliar as exportações. A Braskem informou ao Cade que compete em condições desiguais com empresas estrangeiras que compram matéria-prima (nafta) a preços melhores, pagam menos tributos e têm custos de capital reduzidos. A Dow Chemical, a Solvay, a Basf, a Basell e a Pérez Companc são algumas das concorrentes internacionais da companhia, criada em 2001 com o acordo entre os grupos Odebrecht e Mariani. A criação da Braskem chamou a atenção dos órgãos antitruste, pois a concentração de mercado no setor petroquímico pode afetar milhares de indústrias que usam o plástico como matéria-prima. No caso da Vale, o Cade analisa a compra de várias mineradoras pela companhia nos últimos anos, como a Ferteco, a Samitri e a Soicomex. A companhia revelou, na semana passada, que tem uma fila de pedidos de mais de um bilhão de toneladas de minério de ferro no mercado externo. Por outro lado, o órgão antitruste está preocupado com as conseqüências das aquisições para o mercado interno, onde siderúrgicas defendem a adoção de restrições à atuação da Vale. A criação de campeãs nacionais é bem vista por formuladores de política industrial. Essas companhias costumam se tornar grandes exportadoras e, com isso, expandem as divisas do país e favorecem a balança comercial. Mas nos órgãos de defesa da concorrência do Brasil, prevalece o entendimento de que o importante é verificar se as fusões e aquisições prejudicam ou não o mercado interno. "Ninguém é contra as empresas crescerem aqui no Brasil", disse ao Valor, a presidente do Cade, Elizabeth Farina. "Mas nós somos os guardiães da concorrência." Advogados e especialistas em defesa da concorrência entendem que o papel do Cade é verificar se os concorrentes e consumidores serão prejudicados ou não pelas fusões. "A função do Cade é garantir que o mercado não fique dominado", afirmou o advogado Onofre Arruda Sampaio. Ele defende a tese de que o fato de uma empresa se fortalecer no país não significa que prejudicará concorrentes e consumidores. O ex-presidente do Cade Ruy Coutinho concorda com essa visão. De acordo com a Lei de Defesa da Concorrência (nº 8.884), não há nenhum problema no fato de a empresa crescer por seus próprios méritos, explica. Pelo contrário, a lei determina que o Cade pode aprovar fusões e aquisições quando verificar "motivos preponderantes da economia nacional". O problema é que este artigo da Lei 8.884 (parágrafo 2º do artigo 54) nunca foi aplicado. "Esse dispositivo é um tabu no direito da concorrência", diz Coutinho. Ele conta que existem casos em que o Cade poderia considerar fusões como de interesse nacional, mas isso não ocorre na prática. "O dispositivo nunca foi usado, porque dispensa um dos quatro requisitos previstos pela lei para casos de alta concentração de mercado", responde o advogado Carlos Francisco de Magalhães. Responsável pela defesa de grandes companhias junto ao Cade, como a Nestlé e a Ambev, Magalhães diz que a Lei 8.884 determina que o Cade pode aprovar fusões e aquisições desde que atendam a quatro condições: aumentar a produtividade, a qualidade, a eficiência e o desenvolvimento tecnológico das empresas; a distribuição eqüitativa dos benefícios da fusão entre os seus participantes; a não eliminação da concorrência; e que a fusão se limite aos seus objetivos estritos. Em seguida, a lei prevê uma "válvula de escape". Diz que serão consideradas como legítimas as fusões que atendam a pelo menos três dessas quatro condições quando isso for necessário para o bem da economia nacional. Por eliminar uma das quatro condições, a cláusula do interesse nacional não é utilizada, justifica Magalhães. Usá-la seria admitir que a fusão tem problemas do ponto de vista concorrencial. "As empresas não usam esse argumento para não entrar no caminho da excepcionalidade", justifica Coutinho, hoje presidente da Consultoria LatinLink. A visão moderna de aplicação da lei antitruste também é um entrave à alegação de que fusões devem ser aprovadas para beneficiar as "campeãs nacionais". Hoje, prevalece o entendimento de que o Cade não deve fazer política industrial e, portanto, não cabe a ele favorecer o crescimento de companhias brasileiras.