Título: Senado aprova Lei de Biossegurança, mas soja poderá ser liberada por MP
Autor: Vinicius Doria, Sérgio Bueno e Cibelle Bouças
Fonte: Valor Econômico, 07/10/2004, Política, p. A-6

Depois de quase oito meses de discussões, o Senado aprovou ontem, com apoio das principais lideranças do governo e da oposição, a nova Lei de Biossegurança. Como houve mudanças em relação ao texto aprovado pelos deputados, o projeto voltará à Câmara para nova votação antes de ser sancionado pelo presidente Lula. Lideranças do governo acreditam que a aprovação no Senado abre caminho para que o presidente edite uma medida provisória liberando a soja transgênica para esta safra, pois não houve tempo para aprovar a lei antes do plantio, que já começou no país. O substitutivo aprovado no Senado guarda profundas alterações em relação ao texto que saiu da Câmara em fevereiro. A principal é a liberação da pesquisa com células-tronco embrionárias, mas apenas com embriões congelados há mais de três anos. O relator do substitutivo aprovado, senador Ney Suassuna (PMDB-PB), acredita que há mais de 20 mil embriões congelados no país que poderão ser usados pelos cientistas. O projeto também restabelece parte dos poderes da Comissão Técnica Nacional de Biossegurança (CTNBio), retirados pelo projeto da Câmara. No novo texto, a CTNBio volta a ter a prerrogativa de aprovar não só as pesquisas como também o uso comercial de organismos geneticamente modificados (OGMs). Quando houver discordância quanto à segurança alimentar ou aos impactos ao meio ambiente provocados pelos transgênicos liberados pela CTNBio, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) e o Instituto Nacional de Meio Ambiente (Ibama) poderão apresentar recurso ao Conselho Nacional de Biossegurança, composto por 11 ministros. Na última hora, Suassuna acatou parcialmente emenda da senadora Heloísa Helena (P-Sol/AL) que proíbe uso, comercialização, registro ou patente de tecnologias genéticas que ativem ou desativem a fertilidade de plantas, produzindo "estruturas reprodutivas estéreis" - ou seja, sem capacidade de reprodução. O texto aprovado no Senado terá que passar por votação na Câmara dos Deputados, mas não pode haver alterações no texto. Os deputados poderão apenas aprovar ou rejeitar integralmente o substitutivo do Senado. No caso de rejeição, voltaria a valer o projeto do deputado Renildo Calheiros (PCdoB/PE) aprovado em fevereiro, que não trata do uso das células- tronco e tira da CTNBio o poder de liberar a comercialização de transgênicos. Mas a pauta da Câmara está travada por 18 MPs, e, sem que elas seja votadas, a Lei de Biossegurança não pode ser apreciada. Como o plantio da próxima safra de soja já começou em algumas regiões, o líder do governo no Senado, senador Aloisio Mercadante, voltou a falar na possibilidade de o presidente Lula editar uma MP liberando a soja transgênica. Suassuna, também defende a MP. É o que pensam os produtores de soja do Rio Grande do Sul, que já começaram a plantar uma safra de soja que será entre 90% e 95% transgênica. Para Jorge Rodrigues, um dos coordenadores da Federação da Agricultura do Rio Grande do Sul (Farsul), a aprovação da lei no Senado não elimina a necessidade da MP, que daria "legalidade e tranqüilidade" aos sojicultores. Em território gaúcho, o plantio já chegou a 10% do total previsto para a safra 2004/05. O governador do Estado, Germano Rigotto (PMDB), também defende a MP e prevê demora para a tramitação do texto da lei na Câmara. O Greenpeace, que reúne ambientalistas, criticou a aprovação da lei no Senado e mostrou-se preocupado com o risco de que a CTNBio libere transgênicos sem estudos de impacto ambiental, conforme destacou Ventura Barbeiro, agrônomo da campanha de engenharia genética da ONG. Sezifredo Paz, coordenador-executivo do Instituto de Defesa do Consumidor (Idec) - que junto com o Greenpeace embargou a soja transgênica da Monsanto na Justiça em 1998 -, também criticou duramente a aprovação da lei. Nesse caso, Maria Christina Gueorguiev, advogada do escritório Pinheiro Neto, sustenta que a Constituição (artigo 225) diz que cabe ao poder público julgar riscos de danos ao meio ambiente, mas que esse papel pode ser conferido à CTNBio.