Título: A preocupante rota da política externa brasileira
Autor:
Fonte: Valor Econômico, 25/04/2005, Opinião, p. A16
A política externa brasileira entrou em curto circuito, após a manobra mal planejada e mal executada de lançar uma candidatura à direção da Organização Mundial de Comércio e o discurso do presidente Lula que indicou desprezo pelas negociações da Área de Livre Comércio das Américas (Alca). Entre o pragmatismo e uma difusa ideologia terceiro-mundista, o país parece ter se tornado prisioneiro da última, com consequências nefastas para as relações comerciais. De longe, a fala do presidente Lula diante dos sindicalistas, em reunião da Organização Regional Interamericana dos Trabalhadores, teve o maior efeito destrutivo. Já se disse que a a linguagem diplomática é uma refinada invenção do espírito humano para encobrir a verdade. Todos os negaceios do Itamaraty ruíram quando o próprio presidente veio a público dizer que "faz dois anos que não se discute mais a criação da Alca no Brasil porque tiramos a Alca da pauta". São vários os problemas dessas declarações. Em primeiro lugar, elas não são verdadeiras, a menos que o envolvimento dos diplomatas brasileiros e dos empresários empenhados na discussão com as delegações dos países envolvidos com a Alca tenha sido uma grande e planejada farsa. Depois, o Brasil é co-presidente, junto com os EUA, da Alca e o que se depreende do discurso de Lula é que ela não é absolutamente prioritária ou sequer relevante. Coube ao USTR, que encabeça a política comercial americana, lembrar ao Brasil seus compromissos. "Como co-presidentes compartilhamos a responsabilidade diante de nossos parceiros do hemisfério de liderar as negociações e é importante que façamos isso", disse um porta-voz do órgão. Pela extensão do discurso, Lula desta vez não foi vítima dos cotidianos disparates em que incorre com suas improvisações. O presidente foi mais longe, ao dizer que a Alca foi tirada da pauta à medida que se fortaleceu o Mercosul e se criou "uma coisa" chamada Comunidade Sul-Americana de Nações. Com isso, Lula vocalizou de forma clara e aberta o que sua diplomacia insinuava de forma velada e obscura - o foco brasileiro são as relações Sul-Sul. Levada a sério, é uma rota de desastres. É mais que sabido que EUA e o Nafta, mais a União Européia, cujas negociações com o Mercosul continuam na estaca zero, são os dois maiores mercados mundiais e alvos da cobiça de qualquer país que se preze como exportador. Juntos, respondem por 63% das importações globais, segundo dados de 2004 divulgados pela OMC. Ou se negocia com eles com competência, o que não implica servilismo ou perda da soberania nacional, ou as oportunidades de comércio serão aproveitadas pelos concorrentes, que não parecem ser movidos por ideologias confusas. Quando jogou no estilo pragmático, com a constituição do G-20 para enfrentar o protecionismo agrícola dos países desenvolvidos, a diplomacia brasileira lavrou um tento exemplar. O Brasil deixou iludir-se por ele, ao acreditar que todos os países em desenvolvimento têm metas comuns de longo alcance, além das pontuais que se constroem de acordo com interesses imediatos. O passo seguinte, a tentativa de replicar um G-20 para as negociações industriais da OMC, não prosperou. Enquanto UE e EUA realizam acordos bilaterais com os competidores do Brasil, a política externa brasileira nutre quimeras. Elas podem ser prejudiciais não apenas pelo que se deixa de ganhar na esfera comercial, mas pelo que se pode perder. Com uma tenacidade que beirou a grosseria, os "aliados" chineses arrancaram do Brasil o reconhecimento do status de economia de mercado para a China, o que até agora poucos países desenvolvidos ou atrasados ousaram conceder. O resultado poderá ser a perda de alguns instrumentos de defesa comercial e uma invasão de produtos chineses em alguns segmentos onde a indústria nacional é competitiva. Em nenhum momento a China se comprometeu cabalmente a apoiar o Brasil em seu sonho de obter uma cadeira no conselho permanente da ONU. Quanto ao fortalecimento do Mercosul, o próprio fiasco da candidatura brasileira à direção da OMC se encarregou de desmenti-lo. O Brasil não conseguiu arregimentar um nome único do próprio bloco. Para disputar o consenso da OMC, sequer obteve consenso com Uruguai, Paraguai e Argentina. É óbvio que o Brasil precisa ampliar ao máximo possível suas vantagens comerciais nos maiores mercados do mundo, EUA e UE, e avançar em direção aos emergentes. Para isso os acordos da Alca e com a UE deveriam ser prioritários e, obviamente, não excludentes. A progressiva estreiteza de visão da política externa parece desdenhar essas metas.