Título: Lula ordena mais esforços para fechar negociação com UE
Autor: Sergio Leo e Taciana Collet
Fonte: Valor Econômico, 07/10/2004, Especial, p. A-12

Por ordem do próprio presidente Luiz Inácio Lula da Silva, os negociadores brasileiros farão um esforço adicional para tentar a conclusão do acordo de livre comércio entre Mercosul e União Européia ainda neste mês, a tempo de cumprir a data prevista de 31 de outubro. A ordem de dar "sinais claros" de interesse do governo no acordo foi divulgada pelo ministro das Relações Exteriores, Celso Amorim, após uma reunião entre Lula e seis ministros, no Palácio do Planalto. "Se necessário até um outro encontro meu com o comissário (de Comércio da UE, Pascal) Lamy pode ser feito", informou Amorim, revelando que os europeus sondaram o governo brasileiro sobre esse possível encontro, nos próximos dias. "Essas sondagens serão respondidas positivamente", prometeu o ministro. Amorim ressaltou, porém, que "qualquer gesto adicional do Mercosul terá de ser condicionado a melhoras substantivas" das propostas européias. O Mercosul acusa os europeus de estabelecerem condições muito restritivas, como um teto para exportações submetidas a cotas e exigência de exclusão de produtos beneficiados pelo regime de draw-back (com insumos importados sem imposto). Os europeus, por sua vez, criticam a proposta do Sul e dizem que ela estabelece condições excessivas, como salvaguardas a indústrias nascentes, abertura insuficiente nas compras públicas e exclusão de muitos setores industriais. O impasse nas negociações com os europeus deixou insatisfeitos os empresários do setor agrícola e provocou queixas ao Planalto do ministro da Agricultura, Roberto Rodrigues, e do ministro da Fazenda, Antônio Palocci (que vê no acordo um sinal importante de credibilidade internacional). Os ministérios da Fazenda e da Agricultura acusam o Itamaraty de dar ouvidos excessivos aos interesses protecionistas da indústria e de ter prematuramente desistido de levar à frente as negociações com a atual comissão, cujo mandato termina em 31 de outubro. No outro extremo ideológico, e apoiado por organizações não-governamentais, o ministro do Desenvolvimento Agrário, Miguel Rosseto, levou queixas a Lula. Ele, contudo, considera que foram feitas concessões excessivas dos negociadores do Mercosul. Rosseto diz temer que a abertura concedida pelo Mercosul para produtos europeus como laticínios poderá destruir a agricultura familiar no país. Os representantes do ministério chegaram a abandonar, em protesto, a reunião que decidiu a oferta do Mercosul à UE, devido à inclusão de produtos lácteos entre os que terão tarifa de importação reduzida a zero. Rosseto lembra que 60% dos R$ 1 bilhão investidos pelo Programa Nacional de Agricultura Familiar (Pronaf) vão para a pequena produção de leite, e que o setor pode ter um prejuízo de R$ 1,2 bilhão com a queda de preços que será provocada com a redução das tarifas de laticínios. Lula deu quatro diretrizes aos ministros, segundo relatou Amorim. Uma delas é de que não se deve atender aos interesses apenas de um ou poucos setores. " Há setores que são obviamente muito mais competitivos, mas é preciso ver o conjunto dos interesses do país, dos interesses brasileiros", argumentou o ministro. Outra diretriz foi atenção especial aos interesses dos países sócios do bloco, porque, argumenta Amorim, "um dos objetivos dessa negociação é ajudar a aprofundar o Mercosul, objetivo fundamental da política externa brasileira". Amorim informou que Lula quer também uma análise cuidadosa de cada setor novo ou "delicado" incluído na negociação, como o de serviços, e determinou que o texto final do acordo seja levado a ele antes de qualquer decisão dos negociadores. Amorim insistiu que a oferta européia atual é insuficiente para motivar novos avanços do Mercosul, mas classificou a UE de "parceiro estratégico" e disse ter recebido "orientação muito clara" de Lula para continuar as negociações. O chefe dos negociadores do Mercosul, Régis Arslanian, minimizou os acenos feitos, em entrevista ao Valor, pelo negociador europeu, Karl Falkenberg, que ponderou conceder a maior parte das cotas agrícolas imediatamente, e não em dez anos, e sugeriu outras melhorias na proposta européia. "Só podemos avaliar o que for posto na mesa de negociação", comentou Arslanian, lembrando que os europeus prometiam deixar a administração das cotas nas mãos do Mercosul, caso o bloco aceitasse negociar o monopólio dos produtos da UE para certos produtos designados por indicações geográficas, como o queijo "Parmeggiano Reggiano". "Aceitamos incluir indicações geográficas e, mesmo assim, a UE fez uma oferta que deixa aos europeus a administração das cotas", queixou-se Arslanian. Além de Amorim, Rosseto, Palocci e Rodrigues, participaram da reunião no Planalto o ministro José Dirceu, e o interino do Desenvolvimento, Márcio Fortes.