Título: Ações em larga escala
Autor: Silvia Torikachvili
Fonte: Valor Econômico, 25/04/2005, EMPRESA & COMUNIDADE, p. F1
A Pastoral da Criança, que atua há mais de 20 anos nos bolsões de pobreza e miséria de 3.750 municípios, vem ampliando os atendimentos a partir de uma constatação: quanto mais educação e oportunidade tiver a mulher menos chance terá seu filho de morrer de causas evitáveis. Assim, noções básicas de saúde, higiene e nutrição reproduzidas e conferidas todos os meses pelas 134 mil líderes comunitárias da Pastoral são agora incrementadas com ações de preparação para o trabalho, capacitação para a geração de renda e qualificação para o empreendedorismo. Essa nova ordem tem como primeira meta alfabetizar as mulheres atendidas pela Pastoral. "Saber ler e escrever contribui para entender melhor as necessidades dos filhos", diz Clóvis Boufleur, gestor de relações institucionais da entidade. "Alfabetizada, a mulher poderá também ser dona de um negócio próprio". A Pastoral está preparando o terreno para replicar essas ações em progressão geométrica. Foto: André Porto/Fotos Divulgação
Atuando nos bolsões de pobreza e miséria do Brasil, a Pastoral da Criança, que atualmente atende 1,8 milhão de crianças e 83 mil gestantes por ano, tem planos para crescer 10% ao ano até 2008 As 36 mil comunidades atendidas pela Pastoral estão na mira dessas ações complementares de capacitação das mulheres para exercer a atividade ou o negócio que escolherem. "No caso de um pequeno negócio próprio, o projeto será financiado e a Pastoral oferecerá suporte desde o início", explica Boufleur. "Os recursos são rotativos para que não falte financiamento para os projetos que virão a seguir." A estratégia de multiplicação das ações na Pastoral da Criança não se limita a treinamento e capacitação de maneira a oferecer mais e melhores oportunidades às mulheres. Num país com 9,6 milhões de crianças pobres e um atendimento que mal bate nos 20% desse total, a Pastoral acalenta planos de crescer 10% ao ano até 2008. "Para ampliar o atendimento ainda são necessárias pequenas adaptações às diferenças culturais", diz Boufleur. De adaptação a Pastoral entende. A tecnologia social que atende 1,8 milhão de crianças e 83 mil gestantes por ano no Brasil já foi exportada para 15 países da América Latina, África e Ásia com as devidas adaptações e treinamento para enfrentar a cultura e problemas locais.
Oferecer oportunidades que se multiplicam foi também o ponto de partida do Instituto Ayrton Senna ao formatar o Superação. É um programa para desenvolvimento social de jovens entre 14 e 20 anos - a faixa etária mais associada à violência. "O objetivo do Superação é redirecionar essa energia para novas atitudes e novos valores, que evidenciem o lado luminoso dos jovens", afirma Margareth Goldenberg, diretora executiva do Superação. O Superação foi lançado em 1998. Já se espalhou por 491 municípios de cinco Estados, tem 7.200 educadores e atende 178 mil jovens. O projeto trabalha três ações: educação para valores, protagonismo juvenil e preparação para o trabalho. A metodologia é dirigida para o jovem construir um projeto de vida de forma a desenvolver competências. "Tudo é feito dentro da escola pública, em períodos complementares ao do ensino convencional, por meio de um jogo em que o jovem aprende a se conhecer e a reconhecer que o que o perturba é também o que perturba seu companheiro", diz Margareth.
Para o Superação, o Instituto Ayrton Senna conta com a parceria do Instituto Vivo. O programa custa R$ 12,07/ano por aluno e em cada localidade onde é replicado assume características próprias. Em São Paulo, virou política pública e ganhou escala com a abertura das escolas da rede estadual nos finais de semana. No Distrito Federal, os jovens fazem projetos para melhorar a escola: ajudam na manutenção, pintam paredes, cuidam do lugar onde passam a maior parte do dia. A produção de resultados num programa piloto de educação alimentar no Rio de Janeiro, incentivou a Nestlé a repetir a experiência em outros cinco Estados. O Programa Nutrir trabalha com homens e mulheres de comunidades de baixa renda, que freqüentam cursos em que a educação alimentar e a associação do peso com a saúde se transformam em capacitação para conseguir emprego ou trabalho. "Muitos que passaram pelos cursos já arrumaram trabalho, estão empregados ou abriram pequenos negócios", diz Sílvia Zanotti, coordenadora do Programa Nutrir. "As pessoas aprendem a comer, cozinhar e acabam gerando renda com o aprendizado". A introdução da alimentação como tema nas escolas públicas é oferecida desde 2002. "As merendeiras recebem formação profissionalizada e as professoras se qualificam a ensinar os princípios da alimentação saudável aos alunos." Nas diversas parcerias que faz pelos Estados em que se instala, o Nutrir adquire as características locais. A recente parceria com o Instituto Telemig Celular alcança 28 cidades mineiras e 840 professores capacitados para atingir 42 mil crianças por ano. "O trabalho é feito com os Conselhos dos Direitos da Criança, o que vale dizer que a ação pode resultar numa merenda de melhor qualidade ou mais adequada", diz.
As cerca 400 mil consultoras da Natura espalhadas pelo país levam mensagens de alerta sobre o desperdício de água e a importância da reciclagem
Na Unilever, outro projeto de educação alimentar nasceu de voluntários e foi adotado pela companhia. Em dois anos, a empresa investiu R$ 2 milhões para acionar o programa. Hoje, 62 mil crianças de terceira e quarta séries de 590 escolas de Goiás, São Paulo e Minas Gerais participam das oficinas e passam o horário da merenda entre aulas de arte e nutrição. "As oficinas de arte e alimentação mudam o comportamento das crianças, que levam o aprendizado para casa e incentivam os pais a adotar uma alimentação mais saudável", diz Elaine Molina, gerente de Assuntos de Responsabilidade Social da Unilever. "O entusiasmo é tanto que muitas crianças decidiram elas mesmas cultivar uma horta no quintal de casa."
Multiplicação de ações para o Programa Formare, da Fundação Ioschpe, têm caráter de inclusão social com vistas à profissionalização de jovens entre 15 e 17 anos. O programa, que começou dentro das fábricas da Ioschpe, em 1989, sofreu transformações, ganhou parceiros, se transformou em franquia social em 2000 e virou política pública no final de 2004. Hoje, o Formare conta com a parceria de 36 empresas, cada uma delas responsável pela formação de 20 jovens no período de um ano. "A preparação inclui desde noções de higiene, saúde e segurança até alimentação, preparo para a vida e trabalho em equipe", diz Beth Callia, coordenadora do Formare. "No final do curso, 85% dos jovens já saem empregados na própria empresa onde fizeram o curso. Aqueles que não se empregam, saem em condições de se colocar no mercado ou até abrir um negócio próprio."
A multiplicação dos cursos dentro das fábricas vem mostrando que a idéia do Formare está no caminho certo. Em 2000, já como franquia social, o Formare estava em sete escolas de empresas. Em 2005 conta com 58. As ações deverão aumentar porque foram adotadas pelo Ministério da Educação e Cultura. As Escolas de Fábrica, o nome pelo qual o Formare passou a ser conhecido, deverão atingir 500 cursos dentro de empresas e fábricas - o que significa cerca de dez mil alunos este ano. Enquanto a reprodução em escala não acontece dentro do MEC, os empresários continuam engrossando o Formare. O curso, de 800 a mil horas/ano, tem um custo anual de R$ 80 mil para os 20 alunos que recebem todos os benefícios, além de uma ajuda de custo, alimentação e assistência médica. Para as 500 Escolas de Fábrica nas quais o governo espera formar 10 mil alunos, a verba para 2005 é de R$ 25 milhões. Enquanto a política pública não se materializa, cada empresário que participa do projeto segue formando 20 alunos/ano. Na Coca-Cola, Programa de Valorização do Jovem (PCCVJ) é um dos 140 projetos sociais da empresa e, desde 1999, está em oito Estados brasileiros. A fórmula tem por base um programa da IDRA, organização social do Texas, nos Estados Unidos, contra a evasão escolar. No Brasil, o programa recebeu algumas adaptações em que a prioridade é a educação, mas com um viés fortemente comportamental, diz Maurício Bacellar, gerente de relações institucionais da Coca-Cola no Brasil. O programa existe em 38 escolas e atinge cerca de 3.800 alunos escolhidos entre aqueles que demonstram falta de interesse ou estão próximos de abandonar os estudos. "A taxa média de evasão escolar nas escolas públicas brasileiras é de 5,4%, segundo levantamento do Inep", diz Bacellar. "Entre os participantes do PCCVJ esse índice cai para 1,5%". A fórmula do programa é simples: "Incentivamos alunos de classes adiantadas a dar um reforço aos das séries abaixo", diz. Aproveitar a rede construída pela própria empresa para a multiplicação de ações foi também uma idéia da Natura para divulgar as Oito Metas do Milênio. O Movimento Natura, conforme foi batizado pela empresa, mobiliza as cerca de 400 mil consultoras espalhadas pelo Brasil inteiro que, além de vender os produtos, levam mensagens de alerta sobre desperdício de água, a importância da reciclagem e incentivo às consumidoras para que retomem os estudos, caso ainda não tenham terminado o segundo grau. "As consultoras ganham pontos para cada aluno que volta à escola", conta Guto Pedreira, gerente de marketing comercial da Natura. "O incentivo à compra do refil em lugar da embalagem completa também conta pontos, assim como os ensinamentos sobre a reciclagem dos materiais em geral." No esforço de convencer as pessoas a voltar à escola, as consultoras se juntam ao Ensino de Jovens e Adultos (EJA) e indicam às interessadas as vagas que existem nas escolas da região onde moram. "Esse estímulo contabilizou 20 mil pessoas matriculadas no Brasil inteiro entre outubro de 2004 e fevereiro de 2005", garante Pedreira.