Título: Crianças sofrem com maus tratos e negligência
Autor: Liana Mello
Fonte: Valor Econômico, 25/04/2005, EMPRESA & COMUNIDADE, p. F3

É a mãe biológica quem mais maltrata fisicamente seus filhos. Só em 2004, segundo levantamento do Laboratório de Estudos da Criança (Lacri), do Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo (USP), chegou a 19,5 mil o número notificado de crianças vítimas da violência doméstica no Brasil. Negligência seguida de maus tratos físicos são as formas mais freqüentes de agressões denunciadas nas classes mais pobres. O que não significa que o pobre seja mais violento que o rico. Mas sim que miséria e pobreza absoluta são fatores desencadeadores da violência. Como a população mais carente vive em comunidades, o fato torna-se conhecido e acaba sendo mais fácil de denunciá-lo. A classe média mora em apartamento, o que permite com mais facilidade mascarar o problema. Só que a violência doméstica praticada pelos diferentes estratos sociais chega a atingir três de cada dez crianças de zero a 12 anos. Essas crianças são obrigadas a conviver com seu agressor e enfrentar o pacto de silêncio que costuma envolver as pessoas mais próximas. Romper esse pacto entre a vítima e o agressor não é fácil. É mais produtivo perceber às mudanças no comportamento da criança, do que esperar dela uma denúncia formal. Foi na tentativa de derrubar essa barreira que a Associação Brasileira Multiprofissional de Proteção à Infância e à Adolescência (Abrapia) trouxe para o Brasil uma experiência que vem dando certo em 60 países: o TECA, o telefone amigo da criança e do adolescente. Patrocinado pelo Instituto Telemar, o projeto abre um canal de comunicação com a vítima. Em operação desde o ano passado, 22% das cerca de 70 ligações recebidas diariamente são de crianças denunciando maus-tratos. O TECA consumiu do Instituto Telemar R$ 165 mil. Sua continuidade, no entanto, vai depender da renovação da parceria.

"Infelizmente não conseguimos parceiros para instalar um serviço gratuito", diz o presidente da Abrapia, Lauro Monteiro Filho. O TECA é restrito à cidade do Rio de Janeiro. Não é só ele quem sofre com a escassez de recursos. "Esse assunto não sensibiliza à sociedade, muito menos o setor privado já que ainda não é visto como um problema social", analisa a coordenadora do Programa Prêmio Criança, da Fundação Abrinq, Leila Midlej. Do orçamento de R$ 15 milhões da instituição no ano passado, apenas R$ 70 mil foram gastos com programas específicos para combater à violência doméstica. Inúmeros fatores ajudam a precipitar essa violência de pais contra filhos. Do alcoolismo e o uso de drogas passando pela miséria, o desemprego e a baixa auto-estima até problemas psicológicos e psiquiátricos. É por isso que o Centro de Referência às Vítimas de Violência (CNRVV), do Instituto Sedes Sapientiae, de São Paulo, trata também os pais que maltratam seus filhos. Ganhador do 13º Prêmio Criança 2002 com a experiência bem-sucedida do Pólo Obras Social Santa Clara e São Francisco de Assis, no bairro da Vila Alpina, zona Leste de São Paulo, a Fundação Abrinq decidiu clonar o projeto em 20 diferentes pólos de prevenção à violência doméstica. " Queremos criar uma rede de proteção na comunidade " , diz a coordenadora do CNRVV, Dalka Ferrari. O Banco Santander-Banespa é um dos patrocinados dos projetos dos pólos de prevenção. " É nosso primeiro projeto nessa área " , admite a superintendente de Responsabilidade Social do banco, Vanda Pita. A Telefônica, por sua vez, colocou à venda em São Paulo cerca de dois milhões de cartões telefônicos da série especial " Educar Sem Violência " . (L.M.)