Título: Só geração de renda rompe com a violência
Autor: Liana Mello
Fonte: Valor Econômico, 25/04/2005, EMPRESA & COMUNIDADE, p. F3

Um espelho foi o primeiro objeto do desejo adquirido por Ana Maria com a revenda de utensílios domésticos na vizinhança de Laranjal do Jarí - um município pobre do Amapá. Mãe de sete filhos e pouco mais de 30 anos, essa maranhense, de nome fictício, mudou-se para a região Norte do país para acompanhar o marido, que migrou para a região do Vale do Jarí à procura de emprego. Só que o sonho de uma vida melhor, transformou-se num pesadelo. Ana Maria passou a ser vítima de espancamentos por parte do pai de seus filhos, sempre que ele chegava em casa alcoolizado. Sua realidade não é um caso isolado. A dependência do marido, a baixa auto-estima e a dificuldade de criar um número grande de filhos são características comuns entre as mulheres da região. Gerar renda passa a ser a única possibilidade de romper o ciclo vicioso da violência perpetrada entre quatro paredes. Esse é o trabalho que o Centro de Excelência da Mulher (CEM), da Fundação Orsa, vem desenvolvendo há cinco anos na região. O programa é voltado para recuperar a auto-estima, diminuir o índice de violência doméstica e melhorar a qualidade de vida dessas famílias mononucleares, onde o único adulto é a mãe responsável financeiramente pelos filhos. Em 2004, o projeto atendeu 591 mães chefes de família. Entre oficinas de cestaria e artesanato e palestras sobre inclusão social e formação política, as mulheres do Vale do Jarí vêm conseguindo mudar o perfil sócio-econômico da região. Cerca de 30% delas voltaram a estudar e algumas já dominam noções básicas do mundo digital. A grande maioria não aceita mais ser espancada passivamente por seus maridos e estão mobilizadas para subverter a lógica dos maus tratos. Em carta que será endereçada em breve às autoridades, as mulheres da região reivindicam a implantação de uma Delegacia Especializada da Mulher no Vale do Jarí, a criação de uma casa abrigo com atendimento especializado e um Centro Sócio-Educativo para autores da violência doméstica. Só que as marcas da agressão são tão profundas, que elas preferem manter o anonimato com medo de novas investidas. Daí porque Ana Maria pediu para que seu nome verdadeiro fosse preservado. "A distribuição de riqueza é um bom exemplo: tem a ação assistencialista pura e simples, que nada agrega, e tem aquela que estimula a geração de negócios, que provoca as pessoas, entusiasmando-as e motivando-as a duplicar seus recursos". É com essa mentalidade de equilibrar distribuição de riquezas e solução social que o presidente do Grupo Orsa, Sérgio Amoroso, vem investindo cerca de R$ 24,4 milhões em projetos na região, desde 2000. Foto: Divulgação

Oficinas de cestaria e artesanato ajudam as mulheres a recuperar a auto-estima e melhorar a qualidade de vida de toda a família no Vale do Jarí O espelho comprado por Ana Maria, por exemplo, só foi possível porque o CEM trabalha com uma carteira de microcrédito que ajuda a gerar renda às mulheres da região. "Elas se organizam em grupos de cinco e cada uma delas é avalista umas das outras", diz Jana Mara Ribeiro dos Santos, coordenadora do CEM. No primeiro ano, o valor do empréstimo foi de R$ 50 a R$ 200. Como a inadimplência foi zero, em 2005, o valor mínimo subiu para R$ 200 e o máximo para R$ 500. O indexador é a TJLP e o prazo de pagamento é de até 32 semanas. "Estamos em conversações com o Banco do Brasil para que a instituição estenda seu programa de microcrédito às mulheres da região", antecipa Jana Mara. Anualmente, cerca de 2,1 milhões de mulheres são espancadas no Brasil ou 175 mil por mês ou, ainda, 5,8 mil diariamente e, finalmente, uma mulher a cada 15 segundos. Os dados fazem parte da pesquisa "A Mulher Brasileira nos Espaços Público e Privado", da Fundação Perseu Abramo. Como o país carece de estatísticas oficiais sobre o assunto, organizações governamentais e não governamentais lançam mão dos dados dessa pesquisa para projetar o tamanho da violência doméstica contra mulheres. Ainda segundo a pesquisa, 33% das brasileiras já sofreram alguma forma de violência física, 27% violência psíquica e 11% assédio sexual. O mais grave é que 70% dos crimes acontecem dentro de casa e os agressores são maridos, companheiros, padrastos e pais. A violência doméstica virou um tema recorrente nas agendas políticas sociais mundo afora, desde que a Organização Mundial da Saúde (OMS) divulgou que 70% das mulheres assassinadas com idades entre 15 e 44 anos foram mortas por homens que mantinham ou haviam mantido algum tipo de relacionamento amoroso. No Brasil, o tema é tratado de forma tangencial pelo governo e pelas empresas. A Fundação Avon, por exemplo, ainda não decidiu se traz para o país sua campanha internacional contra a violência doméstica contra mulheres. Consulado da Mulher é um dos principais projetos de Responsabilidade Social do grupo Multibrás. "Acreditamos que a transformação social é resultado da prática da cidadania. Daí a necessidade de ampliar as casas de atendimentos do Consulado da Mulher", avalia a diretora de Relações Externas e Jurídica da empresa e membro do Conselho de Responsabilidade Social da Multibrás, Yolanda Leite. Essas casas são voltadas para atender mulheres chefes de família e alvo de violência doméstica.