Título: Investimento vai conter PIB de Brasil e Argentina
Autor: Sergio Lamucci
Fonte: Valor Econômico, 26/04/2005, Brasil, p. A4

Brasil e Argentina deixaram para trás a fase dos grandes sobressaltos econômicos das últimas décadas, mas ainda estão muito longe de um período de crescimento robusto e sustentado, na avaliação do brasileiro José Roberto Mendonça de Barros e do argentino Miguel Angel Broda. Para eles, os dois países têm condições de crescer a taxas não superiores a 3% a 4% nos próximos anos, devido a restrições importantes como o baixo nível de investimento - inferior a 20% do PIB nos dois casos. Em evento promovido ontem em São Paulo pelo Valor, os dois falaram sobre as perspectivas macroeconômicas de Brasil e Argentina, mostrando diferenças e semelhanças entre as principais economias da América do Sul. O crescimento limitado dos dois países nos próximos anos, contudo, será resultado de taxas de juros e políticas cambiais muito distintas. Na Argentina, ao contrário do Brasil, manter o câmbio competitivo é uma política deliberada do governo. Mendonça de Barros, ex-secretário-executivo da Câmara de Comércio Exterior (Camex), prevê m crescimento de 3,5% para o Brasil neste ano, "com viés de baixa". Se de um lado o crescimento das exportações surpreende, devendo garantir saldo comercial de US$ 34 bilhões em 2005, de outro a política monetária excessivamente apertada deve produzir estragos na atividade econômica, que já dá sinais inequívocos de desaceleração, afirma ele. Tudo para cumprir uma meta de inflação, de 5,1%, que ele considera muito ambiciosa. Para que o país consiga crescer a 3% ou 3,5% neste ano, também é necessário que o cenário externo se mantenha tranqüilo, sem a temida elevação mais rápida dos juros nos EUA, lembra Mendonça de Barros, sócio da MB Associados. Para ele, o crescimento de 3% a 3,5% parece o possível hoje, num país que tem juros reais de 13% e um câmbio que não pára de se valorizar, combinação que prejudica o investimento. Mendonça de Barros diz que o entusiasmo que os empresários manifestavam em 2003 começa a dar lugar à cautela. Com dinheiro em caixa e dívidas menores, muita gente adia os investimentos, num momento em que pode aplicar os recursos em aplicações financeiras que rendem juros elevadíssimos. Em 2006, se o cenário externo não piorar, ele considera possível um crescimento parecido com o de 2005, na casa de 3% a 3,5%. Mas esse número não é muito baixo? Segundo Mendonça de Barros, é um desempenho razoável olhando para o passado - afinal, é melhor que a média de 1,8%, registrada de 1980 para cá -, insuficiente analisando o futuro e muito baixo se considerado o potencial do país. A Argentina, por sua vez, ainda deve crescer a uma taxa significativa em 2005, de 7,5%, prevê Broda, sócio do Estudio Broda e assessor econômico de empresas argentinas e internacionais. O número impressiona, mas ele faz algumas qualificações sobre o resultado. Primeiro, ainda é uma reação técnica à queda do PIB ocorrida entre 1999 e 2002, período em que a economia encolheu 20%. Se o juro na lua é um dos principais problemas do Brasil, o mesmo não ocorre na Argentina, pelo contrário. Por lá, a taxa básica está na casa de 3,25% ao ano, ainda que a inflação caminhe para fechar o ano acima de 10%. Segundo Broda, um dos problemas da Argentina é a falta de independência do BC, que enfrenta problemas para conduzir uma política monetária mais apertada. O país tem uma meta de inflação de 5% a 8% para este ano, que tenta atingir por meio de metas para os agregados monetários. No momento, elas estão próximas do limite máximo, e seria conveniente reduzi-las, diz Broda, que não teme, porém, o descontrole da inflação na Argentina. Os juros baixos, porém, não garantem à Argentina uma trajetória de crescimento sustentado a taxas elevadas. Para Broda, após crescer a 7,5% neste ano, o país deve avançar a taxas de 3,5% a 4% nos próximos anos, se mantido o superávit fiscal razoável e o câmbio ligeiramente desvalorizado. "Terminada a recuperação de 2005, a Argentina não repetirá a história de fracasso dos últimos 30 anos, mas não será um tigre latino-americano", resumiu ele, que classificou seu país como a maior história de fracasso econômico do mundo, uma vez que o PIB per capita de 2004 é igual ao de 1974. Por que o país deve voltar a crescer "medíocres" 3,5% a 4% a partir de 2006? Para Broda, o xis da questão é a baixa taxa de investimento. Em 2004, ficou em 17,7% do PIB. Para que o país cresça a um ritmo mais forte que 3,5% a 4% ao ano e de forma sustentada, seria necessário uma taxa de 23% a 24% do PIB, afirma Broda. Ele não acredita que isso vá ocorrer nos próximos anos, apostando que o governo não vai criar um ambiente pró-negócios que permita a elevação do investimento. O caso do congelamento das tarifas de serviços públicos como energia elétrica é um exemplo de como as empresas não são estimuladas a investir, diz ele. O baixo investimento também é problema do Brasil, como nota Mendonça de Barros. Para 2005, ele acredita que a taxa de investimento deve ficar muito próxima dos 19,6% do PIB registrados no ano passado. A culpa é principalmente da dupla juros altos e câmbio valorizado. Na parte fiscal, os dois países guardam semelhanças. A dívida bruta de ambos está na casa de 70% do PIB, e os dois geram superávits primários elevados. Uma diferença é que, depois da reestruturação da dívida argentina, o juro médio por lá ficou em 3,6% ao ano e por aqui, é de 13,7%, mostrou Broda.