Título: Jucá e as novas Sudam e Sudene
Autor: Raymundo Costa
Fonte: Valor Econômico, 26/04/2005, Política, p. A10

Muita tinta já foi gasta nos jornais sobre Romero Jucá e as perigosas ligações privadas do ministro com a coisa pública. Deixando-se de lado questões como o afrouxamento ético do PT ou o interesse reeleitoral do presidente, ao mantê-lo, o caso Jucá deixa a descoberto um contencioso que se arrasta há quatro anos: o que fazer com a Sudam e a Sudene, órgãos extintos no governo Fernando Henrique Cardoso no auge das denúncias que levaram à renuncia de um presidente do Senado, o hoje deputado federal Jader Barbalho (PMDB-PA), e que Lula prometeu refundar em novas bases, "blindadas" à corrupção. Justiça seja feita, ainda em 2003 o ministro Ciro Gomes (Integração Nacional) enviou os projetos ao Congresso. Aparentemente, transformavam em agências de efetivo desenvolvimento regional os santuários do patrimonialismo em que se haviam transformado Sudam e Sudene - tramita também em paralelo um projeto que cria a nova Superintendência do Centro Oeste (Sudeco). Mas a proposta bateu de frente com governadores e congressistas, que ameaçam virar de ponta-cabeça o eixo do projeto - a forma de financiamento. Pela proposta de Ciro, as três novas agências seriam sustentadas pelo Fundo Nacional de Desenvolvimento Regional (FNDR), a ser constituído por 2% da arrecadação do Imposto de Renda e do IPI (Imposto sobre Produtos Industrializados). Algo em torno de R$ 2 bilhões, pelos cálculos de hoje. Seria dinheiro orçamentário, para financiar somente empreendimentos públicos. A capitalização dos projetos privados também teria incentivo fiscal, mas seria feita por meio do sistema financeiro, que assumiria os riscos inerentes ao negócio. A decisão sobre os investimentos seria de um conselho deliberativo integrado majoritariamente pelos governadores, que se reuniria duas vezes por ano. Uma para aprovar o plano estratégico e o orçamento de longo prazo; a outra, para aprovar as prioridades de curto prazo e os planos de aplicação financeira. Na opinião de Ciro, isso daria "coesão" às lideranças políticas das regiões, hoje dispersas. É por conta dessa falta de coesão, na opinião do ministro, que os governadores do Nordeste brigam há 30 anos por uma refinaria de petróleo da Petrobras que "simplesmente não existe". Com um plano adequado, Ciro estima que em 10 anos seria possível resolver "todos os problemas de infra-estrutura, incluindo portos, estradas, hidrovias, saneamento básico e abastecimento de água" dessas regiões, além da metade Sul do Rio Grande do Sul, o Vale do Ribeira, em São Paulo, o Vale do Jequetinhonha e Mucuri, em Minas, e o Norte do Espírito Santo, áreas a serem também atendidas pelo Fundo Nacional de Desenvolvimento Regional.

Ciro diz que "está fora", se projeto for mudado

As propostas andaram na Câmara, mas os governadores, desconfiados do desenho de Ciro e já há algum tempo às turras com a União, armaram a tocaia na discussão da reforma tributária. Primeiro os governadores do Norte, Nordeste e Cento Oeste, que se acertaram em torno de uma nova divisão do fundo, eqüitativa, entre todos os Estados. Logo eles atraíram os colegas de Minas Gerais, Espírito Santo e Rio de Janeiro. Só o de Goiás, Marconi Perillo, fez restrições. Para Ciro, criar as novas agências sem o fundo será "uma farsa, mais um ente burocrático para empregar pessoas, e esse ente burocrático já existe e eu quero fechá-lo". De acordo com o ministro da Integração Nacional, refundadas nos termos dos projetos, as novas Sudam e Sudene seriam órgãos enxutos, com uma centena de funcionários de alto nível técnico, com padrões salariais semelhantes aos do BNDES. O ministro não se cansa de repetir: se prevalecer a fórmula dos governadores, subscrita pelo Congresso, "eu estarei fora". Quando FHC interveio e fechou a Sudam, o rombo estimado era de mais de R$ 2 bilhões que sumiram pelo ralo em centenas de projetos como a Frangonorte do ministro Romero Jucá, um negócio para criação de frangos na periferia de Boa Vista (RR) que levou dinheiro público mas não apresentou os resultados prometidos por seus patrocinadores. Para o cientista político Paulo Kramer, professor da Universidade de Brasília, o sistema decisório proposto pelo governo "pode provocar uma tensão criativa entre o critério político dos governadores e o critério do corpo técnico-profissional", desde que os órgãos, "enxutos" e altamente qualificado, como diz Ciro, sejam "impermeabilizados em relação à pressão dos governadores". Do contrário, o risco é que as novas Sudam e Sudene nasçam velhas - aquela zona cinzenta em que não existe uma fronteira entre o erário e o patrimonialismo privado que devorou o ministro Romero Jucá.