Título: Mudanças positivas nos tetos fixados pela LDO
Autor:
Fonte: Valor Econômico, 26/04/2005, Opinião, p. A14

O governo fez a aposta certa ao sinalizar, na Lei de Diretrizes Orçamentárias de 2006, com a fixação de teto para a carga tributária (16% do Produto Interno Bruto) e para seus próprios gastos (17% do PIB). Correta, a mudança não será pacífica. Como era de se esperar, alguns deputados já se mobilizam no Congresso contra os limites, sob o argumento de que eles restringirão a liberdade dos parlamentares na confecção do Orçamento. Na verdade, os tetos, se aplicados, restringirão também a ação do governo e não é conveniente amarrar o torniquete das contas públicas apenas numa das pontas, a da receita, quando é sabido que uma das práticas mais comuns do Legislativo é criar despesas sem recursos correspondentes. Há várias consequências positivas que podem advir das amarras que serão tecidas pela LDO. Uma delas é a de que o governo não pretende - ainda é uma promessa - elevar os gastos em um ano eleitoral. O aumento das despesas correntes da União no ano passado e o vale-tudo em que promete se transformar a busca de alianças políticas que garantam a reeleição de Lula traziam os piores presságios - acertos desse tipo geralmente desaguam sobre o dinheiro dos cidadãos. A barganha política, se tudo for cumprido, se dará com os cofres fechados, o que é uma demonstração de respeito para os eleitores e os contribuintes. Além disso, há um reconhecimento implícito de que a capacidade de extrair impostos da sociedade está perto de seu limite econômico e político. O Brasil tem a maior carga tributária em relação a praticamente todos os seus concorrentes no mundo emergente e chega a ultrapassar vários dos países desenvolvidos, sem contar sua péssima distribuição e estrutura, que pune os esforços produtivos. Politicamente, a derrota da Medida Provisória 232, onde o contrabando de uma nova carga de impostos foi barrado pelo Congresso, demonstrou que a possibilidade de reveses do governo e rebeliões de sua base aliada vem crescendo exponencialmente. É certo que o teto para a arrecadação, de 16%, estacionou em um nível alto, mas o governo assumiu um compromisso de não elevá-lo e fez uma promessa clara de reduzi-lo todas as vezes em que o limite for rompido para cima, por meio da redução dos impostos. O mecanismo clássico pelo qual maior arrecadação produzia automaticamente maiores gastos passa a encontrar fortes obstáculos, embora neste ponto, no futuro, seja necessário abrir nova batalha política para reduzir o emaranhado de vinculações que engessam o grosso dos recursos orçamentários. Além disso, a existência de um limite para os gastos deve tornar os orçamentos bem menos fictícios do que são hoje. Haverá um espaço bem menor para que se inventem receitas que possam cobrir os aumentos de despesas pretendidos, como tem sido prática comum no Congresso, ao qual o Executivo respondia, com mais comedimento, com previsões conservadoras para o comportamento da arrecadação. Há uma discussão no interior da equipe econômica sobre a criação de um sistema de "bandas" para o superávit primário. Por enquanto, o superávit, segundo a LDO, se manterá em 4,25% pelos próximos três anos, mas uma idéia que não foi abandonada é a de ganhar flexibilidade no seu uso para suavizar os ciclos econômicos. Os limites para arrecadação e despesas são plenamente cíclicos, já que aumentam à medida que o PIB cresce e caem em caso contrário. Uma margem para a variação do superávit primário poderia ser o caminho para que ele pudesse se tornar contracíclico e permitisse o aumento dos gastos quando a economia fraquejasse e uma economia maior quando ela estivesse em expansão. O debate sobre a conveniência do esquema foi jogado mais para a frente, até mesmo porque no horizonte da economia pode-se vislumbrar mais um par de anos de bom crescimento. Aparentemente, a estratégia imediata do governo é delimitar um campo que não será ultrapassado em um ano eleitoral e vencer aos poucos as resistências que surgirão entre os congressistas. O efeito-demonstração pode derrubar as barreiras no Congresso. Os gastos não deixarão de crescer com os limites da LDO, mas seu ritmo de expansão estará amarrado ao da economia. Resta ao governo o desafio de cumprir a promessa de estabilizar a carga tributária agora para que, em seguida, ela possa ser reduzida. É algo que não ocorre há mais de uma década no país e que recomenda uma dose mais que razoável de ceticismo.