Título: Estado equilibra finanças e volta a atrair investimento
Autor: Chico Santos
Fonte: Valor Econômico, 26/04/2005, Especial, p. A16

O Estado do Espírito Santo vem obtendo nos últimos dois anos importantes avanços no campo do combate ao crime organizado e da moralização institucional, com a conseqüente criação de um ambiente favorável aos negócios, mas a persistente violência urbana continua sendo uma espécie de calcanhar-de-aquiles que coloca em risco os avanços obtidos. Há um novo ciclo de investimentos privados e o próprio setor público estadual, com o saneamento das finanças, começa, timidamente, a recuperar a capacidade de investir. "O capixaba recuperou a auto-estima e passou a acreditar mais na economia", sintetiza o promotor Leonardo Barreto, coordenador da organização não-governamental (ONG) Transparência Capixaba. "Infelizmente, no campo da violência urbana não atingimos um nível ao menos suportável", acrescentou. O saneamento das finanças públicas é um trunfo da gestão do governador Paulo Hartung (sem partido), eleito em 2002 em meio a um amplo movimento da sociedade capixaba por mudanças na administração pública, sacudida por sucessivos escândalos. Hartung recebeu o Estado com três folhas de pagamentos atrasadas e restos a pagar que, segundo ele, somavam R$ 1,2 bilhão. "Para um Estado como o nosso era um número muito significativo, mais ou menos um terço da receita anual", disse o governador em entrevista ao Valor . No fechamento de 2004, o Espírito Santo comemorou o segundo ano consecutivo de superávit fiscal e de crescimento da arrecadação tributária. O governo federal colaborou no saneamento, autorizando a antecipação, paga em 18 meses, de R$ 351 milhões em royalties sobre a produção de petróleo e gás. Para Hartung, mais de uma década de corrupção e desvio de dinheiro público havia colocado a situação capixaba "fora de controle". Havia, segundo o governador, 300 regimes especiais de Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS), privilégio que era concedido pelo Legislativo estadual, aproveitando brechas legais. Todos foram cancelados. O governo conseguiu também que a Justiça derrubasse 13 liminares que isentavam distribuidoras de combustíveis do pagamento de ICMS. Com essas e outras medidas de combate à sonegação, o Estado obteve, em termos nominais, aumento de 20% na arrecadação em 2003, e de 32% em 2004. Para este ano, o secretário da Fazenda, José Teófilo Oliveira, prevê aumento nominal de 15% na arrecadação, agora já calcada no crescimento da atividade econômica. Mesmo sendo há quase duas décadas o Estado que mais cresce na região Sudeste, segundo dados do IBGE, o Espírito Santo chegou a amargar situação de desinvestimento por causa da crise ética. Em fevereiro de 2001, a Xerox do Brasil decidiu fechar suas fábricas de software e de equipamentos no Estado após tornar público que fora procurada por pessoas ligadas ao poder público que queriam receber propina para liberar financiamentos retidos e sustar pagamento de impostos que já estavam pagos. A Aracruz Celulose, maior exportadora mundial de celulose branqueada de fibra curta, teve que recorrer ao Supremo Tribunal Federal (STF) para derrubar uma lei estadual, aprovada às pressas, que simplesmente a impedia de plantar eucalipto, sua matéria-prima básica. A situação chegou a ponto, conforme contou ao Valor o presidente da Companhia Siderúrgica e Tubarão (CST), José Armando Campos, que vários parceiros da siderúrgica de outros Estados recusaram convites para se instalar em torno da usina na época que ela estava implantando seu laminador a quente (2002). "Aqui se criavam dificuldades para vender facilidades", resume o empresário Ernesto Mosaner Jr., coordenador do Movimento Espírito Santo em Ação, uma das muitas ONGs nas quais se organizou a chamada sociedade civil capixaba para resistir aos problemas. A prisão e condenação do ex-presidente da Assembléia Legislativa do Estado José Carlos Gratz, acusado de liderar um esquema de corrupção no Legislativo, e os indiciamentos do juiz Antônio Leopoldo Teixeira e do coronel PM Walter Gomes Ferreira no inquérito do Tribunal de Justiça do Estado que apura o assassinato do juiz Alexandre Martins de Castro Filho (março de 2003), são dois fatos que revelam uma postura no mínimo mais corajosa no âmbito do Judiciário. Para Campos, da CST, a grande mudança experimentada pelo Espírito Santo foi "a criação de uma incerteza quanto à impunibilidade". O atual presidente do Conselho de Administração da Xerox do Brasil, Guilherme Bittencourt, que era o presidente executivo da empresa na época do fechamento da fábrica, disse que o episódio foi "desagradável e constrangedor", obrigando a multinacional a uma decisão drástica. No ano passado, a Xerox fechou um acordo com o novo governo capixaba e está recebendo parceladamente seus créditos (ele não quis revelar valores). Não houve reabertura das fábricas, mas, segundo Bittencourt, a Xerox do Brasil passou a concentrar desde o ano passado a maior parte das suas importações no porto de Vitória. Embora não haja nenhum estudo imediato, o executivo admitiu a ampliação dos negócios da empresa no Estado. O diretor de Operações da Aracruz Celulose, Walter Lírio Nunes, membro ativo da ONG Espírito Santo em Ação, disse que "a crise moral no Estado foi tão profunda que as pessoas saíram do conforto para buscar mudanças". Segundo Nunes, o atual governo "está sabendo" conduzir o processo de reconstrução moral do Estado. "O Espírito Santo saiu do inferno e está até vivendo um relativo paraíso", resumiu. Isso, para ele, abre espaço para novos investimentos privados. "O empreendedor não pode entrar em aventuras. O ambiente é fundamental para reduzir riscos." "Não tenho dúvida de que o Espírito Santo está vivendo outro momento", admite a deputada estadual oposicionista Brice Bragato (PT), presidente da Comissão de Direitos Humanos da Assembléia Legislativa capixaba. Isso, segundo ela, é resultado de uma mobilização social sem precedentes ocorrida durante o governo anterior (José Inácio Ferreira). "O governador Paulo Hartung se elegeu com a missão de mudar e isso ele está fazendo", afirmou Brice, ressalvando que o sucesso em aspectos importantes, como a recuperação das finanças, não vem sendo correspondido em outros campos, como o da distribuição de renda e da segurança pública.