Título: Uso compartilhado
Autor: Jacilio Saraiva
Fonte: Valor Econômico, 26/04/2005, TECNOLOGIA & TELECOMUNICAÇÕES, p. F1;2;3;4

Vida longa para o compartilhamento de tecnologia. Quem garante são os especialistas do mercado de TI, que acreditam que a tendência vai nortear empresas pressionadas pela redução de custos e pelo uso mais dinâmico - e comum - de uma mesma infra-estrutura de tecnologia e telecomunicações. Esse movimento, onde várias companhias dividem os mesmos recursos, aparece em áreas como as redes de fibra óptica, data centers, nas antenas de transmissão de telefonia celular, na comunicação via satélite e até nos ATMs bancários. Em um estudo realizado no Brasil pela consultoria Frost & Sullivan, no final de 2004, a possibilidade de acordos de compartilhamento de infra-estrutura foi definida como um dos principais fatores que poderá conter o avanço nas despesas de telecomunicações no setor financeiro. Segundo a análise, esses custos atingirão US$ 1,2 bilhão em 2009 em comparação com os US$ 908 milhões gastos em 2003. Na verdade, essas ações conjuntas já estão nas ruas. Em fevereiro, a Caixa Econômica Federal e o Banco do Brasil iniciaram o compartilhamento de seus terminais de auto-atendimento. A operação começou em Brasília, Curitiba e Recife. Nas duas primeiras semanas da iniciativa, foram registrados mais de 33 mil acessos: cerca de 20 mil clientes do BB e 13 mil usuários da CEF realizaram saques e consultas a saldos nos terminais do banco parceiro, com um movimento superior a R$ 1,9 milhão. O projeto prevê que os clientes do BB possam usar 124 postos de atendimento bancário eletrônico da CEF e 434 casas lotéricas, enquanto os correntistas da Caixa poderão acessar 250 postos do BB. A parceria cobre uma base de 60 milhões de clientes e a intenção é dar aos usuários maiores facilidades na rede bancária. Nos próximos meses, o compartilhamento deve se estender a todo o país e chegar a 7,2 mil terminais externos e nove mil casas lotéricas. Hoje, nesses terminais-irmãos é possível realizar saques e consultas de saldo - serviços que representam cerca de 60% do volume das transações nos caixas eletrônicos. No próximo semestre, serão oferecidos consultas de extrato e pagamentos de contas. "A moda lançada pelos dois bancos deve chegar em menos de cinco anos às instituições privadas", garante Maria Luisa Kun, diretora do instituto de pesquisas Gartner. Segundo a especialista, todas as empresas, e não só os bancos, precisam parar com a filosofia "fazemos tudo sozinhos". A idéia é que novas parcerias aconteçam, com as empresas se diferenciando nos serviços para os clientes. Para Alex Zago, analista de pesquisa da Frost & Sullivan, esses acordos representam economia nos investimentos de infra-estrutura e nos gastos com telecomunicações. E podem acontecer, inclusive, com o aproveitamento de servidores e bancos de dados de filiais de uma mesma empresa. "O BankBoston realizou uma experiência em 2004, quando usou toda a plataforma tecnológica no Brasil para processar transações feitas no México", lembra. No exterior, o compartilhamento de redes entre bancos já foi consolidado. Nos Estados Unidos, desde o começo dos anos 80, a maioria dos terminais é conectada a uma ou mais redes bancárias. Na Europa, o procedimento também é amplamente utilizado como forma de reduzir custos e ampliar a capilaridade das redes de serviços. "O sistema financeiro brasileiro já mostrou bons exemplos de tecnologias compartilhadas como o Banco 24 Horas e a base de dados unificadas da Serasa", lembra Clodomir Félix, sócio-coordenador do setor de indústria financeira da consultoria Deloitte. Além dos serviços da rede bancária, a democratização dos recursos tecnológicos aparece com força renovada nos data centers, onde empresas de diversos setores dividem um espaço comum para rodar suas aplicações. A escala das operações e a segurança do ambiente são alguns dos atrativos desses "resorts" tecnológicos. Alguns possuem até sensores a laser, que verificam o nível de poeira nas instalações, e sistemas de combate a incêndios, dotados de um gás especial, o FM 200, que extrai o oxigênio do ar. A Dedalus Hosting & Comunicações, por exemplo, conta com um data center de mil metros quadrados e clientes como Natura, Americanas.Com, SBT e Embraer. "Podemos receber sistemas de até 300 empresas, ao mesmo tempo", afirma Marcelo Boralli, diretor de desenvolvimento de negócios da Dedalus. Para Mauro Peres, diretor do instituto de pesquisas IDC-International Data Corporation, a vantagem dos data centers é que os clientes pagam apenas pelo serviço utilizado e economizam na construção de uma infra-estrutura própria. "As organizações recorrem aos sistemas hospedados em outras empresas pela economia de custos e conveniência. Com isso, conseguem implantar soluções com uma maior agilidade e concentram as equipes em projetos mais estratégicos para os negócios", explica. Foi o que aconteceu com a Companhia Brasileira de Soluções e Serviços-CBSS que lançou, no ano passado, vales de refeição eletrônicos, o VisaVale. A empresa, constituída pela união do Bradesco, BB Banco de Investimentos, ABN AMRO Real e Visa, optou pela hospedagem integral de seus aplicativos no data center da Diveo do Brasil, em Tamboré, São Paulo. Em dois meses, a Diveo implementou o projeto da CBSS, com a hospedagem do site do VisaVale e de um sistema de gestão, responsável pelo gerenciamento das transações financeiras. A iniciativa permitiu que a empresa, mesmo com uma estrutura enxuta, iniciasse suas operações atendendo a mais de 600 clientes. Na área de fibras ópticas, as companhias economizam ao usar os mesmos cabos que outras empresas para a transmissão de dados, sem precisar bancar a construção de uma rede própria. A idéia é partilhar o mesmo equipamento, já instalado em áreas urbanas, por corporações como Telefônica, Embratel e Telemar. As empresas de telefonia, de energia elétrica, operadoras de televisão a cabo e provedores de internet são as principais responsáveis pelo movimento desse mercado. A vantagem de participar de uma mesma rede de fibras é que os usuários pagam apenas pelo volume de informações transportadas. Estudos divulgados pela consultoria KMI Corporation mostram que o setor cresce a uma média de 24% ao ano em todo o mundo. Em 2005, deverá alcançar um volume de negócios de US$ 50,4 bilhões. "Em breve, é possível que as empresas de energia elétrica aproveitem a rede de força já instalada para também transmitir dados", diz Celso Kassab, gerente da consultoria Deloitte. Essa parece ser a esperança dos fabricantes brasileiros de fibra óptica, que reclamam da estagnação do setor depois do boom verificado em 2001. Naquele período, as operadoras de telecomunicação corriam para os balcões dos fabricantes de fibras ópticas interessadas em cumprir metas estabelecidas pela Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) no processo de privatização do setor. Na Pirelli, por exemplo, a produção chegou a 900 mil quilômetros de fibra óptica em 2001 e caiu para 180 mil quilômetros em 2004. "Esse volume deve permanecer em 2005 e mostrar somente alguma recuperação em 2007", diz Armando Comparato, diretor-superintendente da Pirelli Telecomunicações Cabos e Sistemas do Brasil. Só para se ter uma idéia, a fábrica da Pirelli em Sorocaba (SP) tem capacidade para produzir 800 mil quilômetros de fibras por ano. Para movimentar o caixa, a Pirelli - que acaba de celebrar uma joint-venture com a Furukawa, outro gigante do mercado de fibras - dedica até 75% de sua produção para o mercado externo: América Central, Argentina e Chile. No Brasil, tem como principais clientes a Companhia de Energia Elétrica do Paraná (Copel) que, na esteira de distribuidores internacionais de energia, pretende usar a rede elétrica construída para implantar cabos ópticos. Do chão para o espaço. Enquanto as redes de fibras ópticas não demonstram muita movimentação no subsolo das grandes cidades, a comunicação por satélite passou por grandes transformações nos últimos cinco anos. Foram lançados novos satélites com maior capacidade de cobertura no Brasil, em banda Ku, uma faixa de freqüência atraente para aplicações de comunicação de dados e acesso à internet. "Alguns satélites como o NSS-7, da New Skies; o PAS-9, da Panamsat; o Estrela do Sul, da Loral; e o Amazonas, da Hispamar, mudaram o segmento no país. Todos beneficiaram aplicações de web e transmissão de sinais de TV", explica Luiz Roberto de Sá, country manager da Comsat International, que atua na prestação de serviços de telecomunicações por satélite para o governo e empresas, como Petrobras, Intelig e Companhia Energética de Minas Gerais (Cemig). Outra novidade no setor é que os terminais de comunicação por satélite ficaram mais compactos, baratos e com maior capacidade de transmissão. Algumas soluções que antes requeriam antenas parabólicas com 1,8 metro de diâmetro e operavam a uma velocidade de transmissão de 19,2 Kbit por segundo, agora trabalham a 512 Kbit/s em antenas de 96 centímetros. Ainda na área de telecomunicações, um outro mercado que começa a dividir custos entre seus players é o de operadoras de telefonia móvel, que usam as mesmas antenas ou Estações Rádio Base (ERBs) para a transmissão de sinais. "O que mais define a concorrência nesse segmento são as tarifas e não somente a cobertura oferecida. Hoje, é obrigatório que o celular funcione em qualquer lugar", diz Mauro Peres, do IDC. As ERBs demandam gastos de aluguel nos prédios onde estão localizadas, além de despesas de manutenção. "Por que não dividir essa conta?", pergunta o consultor.