Título: O dólar derrete
Autor: Flavia Lima
Fonte: Valor Econômico, 07/10/2004, Eu & Investimentos, p. D-1

O dólar comercial se aproxima do fim de 2004 perto do piso registrado nos últimos dois anos. Na terça-feira, a moeda foi negociada a R$ 2,8260, o menor nível desde 15 de janeiro. Ontem, com a pressão do petróleo, fechou a R$ 2,84, uma alta de 0,42%, mas incapaz de reverter a queda acumulada no ano de 2,07%. Isso significa que quem aplicou em dólar perdeu 14,32% em relação a quem aplicou em renda fixa, levando em conta um CDI no período de 11,96%. Com isso, os fundos indexados ao dólar tiveram perda média de 1,08% em 2004 até setembro, conforme dados do site Fortuna. O comportamento das carteiras, contudo, varia bastante. Até dia 4, há fundos com perdas de 3%, 4% e alguns com ganhos de quase 10%. As expectativas dos analistas apontam um pequeno espaço para alta do dólar nos próximos meses. Ainda assim, continua valendo a regra para quem tem compromissos na moeda de aproveitar os momentos de baixa para aplicar. "Quem faz proteção agora faz a um nível barato", afirma o diretor de investimentos em renda fixa da Bradesco Asset Management (Bram), Carlos Otero. O executivo oferece como exemplo o seguro de carro. "O seguro serve para que você viva tranqüilo, você não quer bater o carro mas, se bater, está protegido", diz. Otero. "Assim funciona o investimento em dólar." Uma conjunção de fatores positivos explica a retomada de fôlego do real. O crescimento dos investimentos diretos na economia, assim como o saldo recorde da balança comercial, que deve chegar perto dos US$ 30 bilhões em dezembro, são alguns desses fatores, lembra o professor da Profins Business School, Sérgio Ferro. "A dívida externa do setor privado vem caindo de modo significativo, as empresas estão antecipando pagamentos, o que sinaliza que, no futuro, a demanda pela moeda será menor", diz. O economista-chefe da Intercam Corretora de Câmbio, Elói Dantas Júnior, destaca que o país conseguiu aumentar as captações externas no segundo semestre do ano, o que aumentou a oferta do dólar e puxou para baixo a cotação. Ele lembra ainda que, em janeiro, o quadro com relação ao câmbio era muito parecido. "Naquele mês, o Banco Central começou a comprar dólar para recompor as reservas internacionais, originando um piso perto de R$ 2,80", diz. "Acredito que o governo pode novamente adotar alguma política para impedir que a moeda rompa esse piso", emenda. No cenário atual, os analistas associam os investimentos em dólar imediatamente à proteção. "Não é um bom momento para investir em dólar, a não ser para empresas e pessoas que precisam se proteger", diz Otero, da Bram. A moeda, afirma, é sempre um excelente refúgio para as pessoas que têm viagem marcada para o exterior ou que consomem bens importados, como carros. O mesmo vale para empresas endividadas em dólar. O superintendente de gestão do Santander Banespa, Márcio Appel, acredita que, ainda que o dólar tenha caído bastante, não deve encerrar o ano muito acima da cotação atual em razão do saldo comercial elevado do país. Mas, segundo ele, não importa muito a tendência do dólar se o objetivo é proteção. Já o uso da moeda como instrumento de especulação é mais difícil para uma pessoa comum, pela necessidade de acompanhar diariamente os mercados financeiros. Por isso, recomenda, o dinheiro para apostas especulativas deve ir para multimercados. O gerente de fundos cambiais do Banco do Brasil (BB) Marcelo Marques recomenda o produto tanto para hedge quanto para diversificação de portfólio. "Eu posso diluir o risco da uma carteira com ativos atrelados ao dólar", diz. Parte dos analistas, no entanto, acredita que, mesmo para diversificação, as aplicações atreladas ao câmbio devem ser olhadas com cuidado. A remuneração superior dos investimentos em real, impulsionada por uma taxa básica de juros de 16,25% ao ano, é um forte atrativo, diz o professor da Profins, Sérgio Ferro. Otero, da Bram, concorda e acha que a moeda americana deve continuar nesse ritmo nos próximos seis ou 12 meses. Os investidores, no entanto, parecem não seguir à risca essas considerações. Para o aplicador, pelo menos o de maior porte, predomina a sensação de que o dólar alcançou o seu nível mais baixo e que, portanto, esse pode ser um bom momento para investir. Isso somado à necessidade de proteção ditam o ritmo de captações do setor. Dados do site Fortuna indicam que os fundos cambiais registraram saída de recursos de R$ 9 milhões em setembro. O levantamento da Associação Nacional dos Bancos de Investimento (Anbid), no entanto, aponta entradas de R$ 374,22 milhões no mês passado. A divergência se deve ao fato de que a Anbid capta também às movimentações feitas por meio de fundos fechados, o que sinaliza que o interesse por aplicações cambiais volta a se manifestar entre os grandes investidores. Os dados da associação mostram também que o volume captado em setembro marca uma reversão de expectativas em relação a agosto, mês em que R$ 692,86 milhões foram resgatados das carteiras cambiais. Entre os 15 fundos de maior patrimônio líquido acompanhados até 4 de outubro, o melhor desempenho é registrado pelo Bradesco FIF Hedge Cambial. Na contramão do setor, a carteira de R$ 66 milhões sobe cerca de 10%, para uma queda de 2,62% do dólar comercial no período. Mas esse não é o único fundo do Bradesco a nadar contra a corrente. Outras carteiras de menor patrimônio têm performance até melhor, como é o caso do Bradesco FAQ Cambial Extra, com avanço superior a 11% em 2004. Otero explica que os fundos são ativos, ou seja, têm como política superar o dólar, daí o desempenho diferenciado. Segundo ele, um bom "timing" em operações no mercado futuro de câmbio e senso de oportunidade no momento de alongar ou não o prazo dos títulos em carteira têm assegurado os ganhos. Prova de que esse tipo de política não vale para todo fundo é que outra carteira da gestora, entre as 15 listadas, um fundo passivo, não vai bem. O Bradesco FIF Dólar Short perde 3,05% em 2004. Dentre os 15 maiores, o Santander FIF Banespa Prime é o outro fundo a registrar ganhos no ano, em alta de 0,17%. No fundo, explica Márcio Appel, o investimento em DI também foi usado para proteger a carteira. Ferro, da Profins, lembra que a volatilidade média do dólar no ano é de 5%, mas entre maio e junho atingiu 20%, período em que a moeda bateu R$ 3,20 puxada por fatores como o preço do petróleo e indefinições com relação aos juros americanos. "Se essas questões podem voltar a ser um problema é algo a ser monitorado", diz Otero. É esse tipo de preocupação que faz com que o consultor Fabio Colombo indique os fundos cambiais (e aqui entram também as carteiras atreladas ao euro) como opção de diversificação para investidores com visão de longo prazo. "Com as recentes quedas, as moedas apresentam maior potencial de ganho", afirma.