Título: Amorim diz a Rice que Brasil ainda quer a Alca
Autor: Sergio Leo
Fonte: Valor Econômico, 27/04/2005, Brasil, p. A3

Os governos dos EUA e Brasil atuarão em conjunto e trocarão informações regularmente para "favorecer a democracia", principalmente nas Américas, decidiram o ministro das Relações Exteriores, Celso Amorim, e a secretária de Estado dos EUA, Condoleezza Rice. Amorim garantiu publicamente a Condoleezza que o governo brasileiro está engajado nas negociações para a Área de Livre Comércio das Américas (Alca). Ao afirmar que havia "tirado a Alca de pauta", o presidente Luiz Inácio Lula da Silva estava apenas querendo dizer que o assunto saiu da "pauta jornalística" e deixou de ser "assunto político e ideológico." Na reunião de Condoleezza com o presidente Lula, no Palácio do Planalto, "foi destacada a importância da democracia, do comércio exterior e do desenvolvimento econômico na região para estabilizá-la", informou o porta-voz da Presidência, André Singer. Em reunião de cerca de meia hora, "Venezuela e Equador foram citados de forma genérica, assim como a Alca", informou o porta-voz. No encontro mantido com Amorim no palácio do Itamaraty, Condoleezza falou sobre o desejo americano de que se realizem logo eleições livres no Equador, onde o presidente Lucio Gutierrez foi deposto e substituído pelo vice-presidente, Alfredo Palacio, que anunciou intenção de continuar no poder até 2007. Amorim, que tem a mesma opinião, argumentou com a secretária de Estado, porém, que seria conveniente esperar maior definição sobre as forças políticas locais antes de qualquer manifestação mais incisiva sobre o país. O documento conjunto divulgado após o encontro repete os termos da resolução da Organização dos Estados Americanos (OEA) sobre o Equador, em que a instituição pede "respeito à ordem democrática, à moldura constitucional e ao estado de direito" no país, e defende "diálogo e participação construtiva". Como sinal de boa vontade do Brasil, Amorim relatou a Condoleezza os entendimentos mantidos por emissários de Lula com o líder cocalero Evo Morales, na Bolívia, um dos promotores das manifestações que ameaçaram o mandato do presidente boliviano, Carlos Mesa. Ambos falaram também sobre a situação da Venezuela, para onde, na véspera, Lula enviou o ministro-chefe da Casa Civil, José Dirceu. "Dissemos que não queremos fazer do assunto o único ou o principal de nossos encontros", comentou Amorim. "Não me esquivei de dar a visão que temos do processo", disse o ministro, ao relatar que, na conversa com a secretária, disse que o Brasil acredita ter uma contribuição a dar, "respeitando a soberania venezuelana" para garantir a democracia no país. Amorim e Condoleezza concordaram em continuar dialogando sobre a Venezuela. Falando rápido e com voz suave, Condoleezza lembrou que os países da OEA se comprometeram com uma "Carta Democrática" com princípios a serem respeitados pelos governos. "Todos queremos que exista uma Venezuela completamente livre e democrática", afirmou. "Os problemas da Venezuela não são questões entre a Venezuela e os EUA ou entre Venezuela e Brasil, são questões que tratam da democracia, da liberdade e das instituições às quais deve ter direito o povo venezuelano", complementou, em uma referência elíptica às críticas dos EUA e da oposição ao presidente venezuelano, Hugo Chávez, por medidas de censura à imprensa e controle do Judiciário no país. Numa demonstração de que não quer fazer da Venezuela um tema da visita ao Brasil, Condoleezza afirmou que as conversas entre ela e Amorim "tem de ser compreendidas no contexto de uma agenda positiva para o continente, dedicada aos governos democráticos." A agenda incluiria os acordos comerciais na OMC e Alca, lembrou. Na conversa reservada, Condoleezza disse a Amorim que espera ver, na semana que vem, a aprovação, pelo Senado americano, do novo representante comercial dos Estados Unidos (USTR), Robert Portman, espécie de ministro do Comércio Exterior americano. Os dois combinaram que, se houver essa aprovação, Portman e Amorim poderiam ter um primeiro encontro para falar de Alca e OMC durante a reunião da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), em Paris, na semana que vem. Amorim fez questão de justificar as declarações de Lula antes que Condoleezza respondesse à pergunta sobre Alca dirigida a ela por uma jornalista brasileira. "A questão hoje não é saber quem é contra ou pró-Alca, é saber como negociar uma Alca que seja boa para os dois lados", comentou ele, sem fazer referência aos outros 32 países que negociam o acordo. Condoleezza disse concordar com o ministro brasileiro em "dinamizar" as discussões sobre a Alca, dentro dos limites fixados na última reunião de ministros sobre o acordo, em Miami, quando os governos decidiram estabelecer um conjunto de regras e deixar para acordos bilaterais ou multilaterais o aprofundamento de compromissos polêmicos.