Título: Será que o mundo rico precisa poupar mais?
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Fonte: Valor Econômico, 27/04/2005, Especial, p. A14

A poupança saiu de moda no mundo desenvolvido. As taxas de poupança em muitos países da OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico) caíram bastante nos últimos anos. Países anglo-saxões - EUA, Reino Unido, Canadá, Austrália e Nova Zelândia - possuem as menores taxas de poupança interna. Em média, os americanos economizam hoje menos de 1% de sua renda pós-impostos, frente aos 7% no começo dos anos 90. Na Austrália e Nova Zelândia a poupança está negativa, já que as pessoas tomam dinheiro emprestado para consumir mais do que ganham. Outros países com populações que estão envelhecendo rapidamente, como Japão e Itália, também estão vendo queda na poupança, embora a partir de um nível mais elevado. Hoje, os japoneses economizam 5% de sua renda, contra 15% no começo dos anos 90. Uns poucos países ricos, sobretudo França e Alemanha, não seguem essa tendência. Os alemães economizaram cerca de 11% de sua renda após os impostos em 2004, ligeira alta em relação à metade da década de 80. Essas mudanças levantam dúvidas importantes. Estarão as pessoas economizando muito pouco? Quais as conseqüências da queda nas taxas de poupança? Os governos devem encorajar as pessoas a economizarem mais? Como?

Uma escola de pensamento, liderada por Ben Bernanke, sugere que o mundo está sofrendo de excesso de poupança, e não de falta. Bernanke, que em abril foi nomeado para presidir o Conselho de Assessores Econômicos de George W. Bush, diz que os juros de longo prazo estão muito baixos em todo o mundo e atribui isso, em grande parte, às altas taxas de poupança das economias asiáticas. Se esse argumento do "excesso de poupança" estiver certo, então presumivelmente não há porque se preocupar com a queda das taxas de poupança no mundo desenvolvido. Outros argumentam que a queda da poupança é sinal de vigor econômico. Graças aos altos retornos das ações e, mais recentemente, dos preços das moradias, as pessoas podem atingir seus objetivos financeiros com menos poupança. A sofisticação dos mercados financeiros nas economias anglo-saxãs permite às pessoas recorrerem facilmente às suas economias, refinanciando suas dívidas, por exemplo. Para os que vivem em sistemas dominados pelos bancos, como a Alemanha, isso é mais difícil. Segundo essa lógica, as taxas de poupança mais altas da Alemanha resultam de retornos fracos e mercados financeiros subdesenvolvidos. Por outro lado, os pessimistas dizem que a queda das taxas de poupança é perigosa. O perfil demográfico de Japão ou Itália pode explicar essa queda, mas outros países ricos, como os EUA, deveriam estar poupando mais no momento em que os "baby boomers" estão nos anos de pico de seus salários. Em vez disso, as pessoas estão guardando pouco dinheiro para a aposentadoria, fiando-se em promessas impossíveis se serem cumpridas dos quebrados planos de Previdência dos governos e em suposições otimistas sobre ganhos de capital de ações e imóveis. Essa miopia reduziria muito o volume de capital disponível para investimentos e piora os desequilíbrios na economia mundial. A verdade é mais complicada. Tanto a medida certa de poupança como a taxa apropriada de poupança dependem de se olhar para indivíduos ou economias.

De um ponto de vista macroeconômico, a medida certa é a taxa nacional de poupança: a soma da poupança privada (que é a poupança pessoal e a poupança corporativa, ou os lucros retidos das empresas) com a poupança pública (isto é, o superávit fiscal) ou a "despoupança" (déficit orçamentário). Numa economia não importa quem está fazendo a poupança. O que importa é quanto no agregado está sendo separado para financiar os investimentos que sustentam o crescimento econômico. Em meados dos anos 90, as taxas nacionais de poupança cresceram em muitas economias ricas, apesar da queda nas taxas de poupança pessoal, graças à melhoria das finanças públicas. O Japão, onde a poupança vem caindo desde o começo dos anos 90, é uma exceção. Em algumas economias anglo-saxãs, como a Nova Zelândia, superávits fiscais saudáveis amortecem o impacto das baixas taxas de poupança pessoal. Mas nos EUA, a mudança dramática do superávit para déficit fiscal ampliou o efeito da queda da poupança pessoal. Os níveis de poupança pessoal não só estão próximos de uma baixa recorde, como a taxa nacional de poupança líquida (2% do PIB) é a menor desde a Depressão. Mas será que isso importa? A relação entre poupança e crescimento econômico é complicada. Altas taxas de poupança não garantem crescimento rápido (vide a Alemanha). Nem, à medida que os mercados de capitais globais se integram, o investimento deve ser bancado só pela poupança interna. Os países podem tomar dinheiro barato nos mercados externos e sustentar déficits em conta corrente. A maioria das economias anglo-saxãs com baixa poupança faz isso: o déficit em conta corrente dos EUA atingiu enormes 6,3% do PIB. Os juros de longo prazo baixos implicam que, por enquanto, as taxas mundiais de poupança estão mais do que adequadas em relação às oportunidades de investimento. Mas isso é sustentável? Mesmo num mercado de capitais globalizado, há limites a empréstimos externos. Dívidas contraídas precisam ter seus juros pagos, o que impõe um teto ao déficit em conta corrente. E mais, o "excesso de poupança" atual se deve menos a um superávit estrutural de poupança que à falta de investimentos, o que poderá ser temporário. Apesar da taxa nacional de poupança em queda, o Japão ainda exporta capital para o resto do mundo porque sua taxa de investimento vem caindo ainda mais. E nem as economias da Ásia (à exceção da China) têm uma alta substancial da poupança. Em alguns países, como a Coréia do Sul, cuja população envelhece rapidamente, a taxa nacional de poupança está caindo. Esses países se tornaram emprestadores líquidos porque suas taxas de investimento caíram com a crise financeira do final dos anos 90. Se o investimento subir, o excesso de poupança sumirá logo. No longo prazo, as tendências demográficas indicam que a poupança em países com populações que estão envelhecendo rapidamente (Japão, Coréia do Sul, Itália, etc) seguirá caindo, reduzindo mais a possibilidade de superávit de poupança para financiar os déficits anglo-saxões. Além disso, os EUA (apesar dos enormes empréstimos externos que possuem) têm uma taxa de investimento relativamente baixa. Para manter um crescimento elevado da produtividade, essa taxa terá de crescer. Acrescente a necessidade de mais investimentos e a probabilidade de um acesso menos fácil aos empréstimos externos, e a conclusão é clara: as economias anglo-saxãs com baixas taxas de poupança nacional precisam poupar mais. Economistas concordam quanto à maneira mais segura de fazer isso: foco nas finanças do governo. Recentemente, Alan Greenspan, presidente do Fed (BC americano), disse que uma maior disciplina fiscal "é o veículo mais significativo" para elevar a poupança dos EUA. Mas uma certa prudência fiscal pode ser anulada por taxas de poupança privada menores. Uma teoria chamada "equivalência Ricardiana" sustenta que aumentos da poupança pública são eliminados pelas quedas na poupança privada, já que as pessoas antecipam cortes futuros de impostos. Estudo recente da OCDE em 16 países ricos constatou que, entre 1970 e 2002, em média, metade de toda melhora nas finanças públicas sempre foi anulada por taxas menores de poupança privada no curto prazo, e cerca de dois terços foram anuladas no longo prazo. Mas o caso mais extremo de baixo nível de poupança nacional (os EUA) teve a menor equivalência. Ajustes na posição fiscal americana não tiveram impacto estatisticamente significativo sobre a poupança privada, sugerindo que a disciplina fiscal será eficaz. Mesmo em outras economias com baixas taxas de poupança, a prudência fiscal é o modo mais seguro de elevar a taxa de poupança nacional. Isso não significa que as taxas de poupança privadas são irrelevantes. Maior poupança privada ajudaria a elevar a poupança nacional. Além disso, a poupança pessoal é importante da perspectiva do bem-estar individual. Mesmo que um país poupe adequadamente para financiar o crescimento econômico futuro, a poupança poderá ser distribuída de modo a deixar certos grupos com riqueza insuficiente. Mas o conceito de poupança "adequada" é melindroso. As pessoas têm muitas razões para economizar: precaução contra queda súbita na renda, para segurança para os filhos etc. Avaliar se as pessoas estão poupando o suficiente de sua renda depende do que se prevê que elas vão querer consumir ou legar no futuro, quanta riqueza elas já têm acumulada e quais serão os retornos sobre esses ativos. Problemas de medição confundem esse processo. A taxa de poupança pessoal é calculada subtraindo da renda líquida o gasto com consumo. Mas as definições usadas nas contas nacionais sempre têm pouca semelhança com o que as pessoas pensam sobre poupança e gastos. Ganhos de capital em geral não são incluídos na renda, mas os impostos pagos sobre esses ganhos são deduzidos da renda. E diferenças entre as estruturas tributárias dos países e de serviços dos governos podem implicar taxas de poupança medidas de modo variado. O ajuste desses problemas, porém, não muda o cenário básico. Estudo da OCDE e do Banco Central Europeu (BCE) mostra que, uma vez ajustada a estruturas tributárias e previdenciárias diferentes, a diferença na poupança entre os EUA e a Europa continental se amplia ainda mais. Martin Barnes, da consultoria Bank Credit Analyst de Montreal, calcula que, ajustada aos problemas de medição, a taxa de poupança pessoal dos EUA esteve relativamente estável até 2001. Entretanto, de lá para cá ela caiu. Mas, menos poupança significa um nível muito pequeno de poupança? O mais amplo trabalho acadêmico sobre a adequação de poupança dos indivíduos tem sido feito nos EUA. Ironicamente, os economistas americanos se tornaram otimistas, mesmo com a queda das taxas de poupança medida. Em meados dos anos 90, muitas publicações acadêmicas se queixavam de poupança inadequada. Em especial, o trabalho de Douglas Bernheim, economista de Stanford, sugeriu uma taxa de poupança dramaticamente pequena na maioria dos lares americanos. Um segundo grupo de estudos, de Eric Engen, do Fed, Bill Gale, da Brookings Institution, e Cori Uccello, do Urban Institute, construiu modelos mais sofisticados de poupança ideal e pintou um quadro menos tenebroso. O mais recente (e otimista) estudo, publicado em janeiro de 2004 por John Karl Scholz e Ananth Seshadri, da Universidade de Wisconsin, e Surachai Khitatrakun, da consultoria ERS Group, diz que 80% dos lares americanos têm mais riqueza acumulada do que de fato necessitam. Mas esses estudos fazem uma série de suposições otimistas demais. Primeiro, incluem imóveis como parte de ativos financeiros. Isso pode ser um erro não só porque a alta recente do mercado pode se mostrar uma bolha, mas porque imóveis são ativos complicados. Nem todas as pessoas idosas vão querer vender suas casas para financiar suas aposentadorias. Em segundo lugar, esses estudos assumem que os futuros benefícios da Previdência federal serão pagos conforme o prometido. Hoje isso parece improvável. Se Bush conseguir aprovar sua reforma da Previdência, é certo que haverá algum tipo de corte nos benefícios. Para os americanos mais pobres, qualquer corte nos benefícios reduziria muito a adequação de suas poupanças hoje. Os pagamentos previstos pela Previdência superam o valor de todos os outros ativos financeiros para o um terço das pessoas da ponta mais baixa da cadeia de distribuição de renda. Uma olhada para o Reino Unido dá boa idéia disso. Estudo recente do governo diz que, dadas as tendências de baixa das pensões pagas por empregadores e a corrosão das pensões estatais, 60% dos trabalhadores com mais de 35 anos não estão poupando o suficiente. Em todas essas análises, muita coisa depende de suposições sobre a taxa de retorno da poupança. Em anos recentes, a maior diferença entre os países da OCDE com alta poupança e os com baixa tem sido o retorno sobre os ativos. Um estudo do McKinsey Global Institute, diz que, entre 1975 e 2003, a valorização dos ativos respondeu por quase 30% do aumento do valor dos ativos financeiros dos lares nos EUA, enquanto que no Japão a alta taxa de poupança respondeu por retornos negativos sobre os ativos. Com base nas atuais taxas de rendimento e nos padrões de poupança em grandes economias industrializadas, o estudo assume uma visão turva sobre a adequação do acúmulo de riqueza global. Mas ele observa que uma maior poupança é uma receita inútil para países que já têm um grau elevado de poupança, como a Alemanha. A resposta então é elevar o rendimento da poupança, via reestruturações financeiras e corporativas, mais competição e por aí vai. Em outras palavras, tornar essas economias mais anglo-saxãs. Já em economias anglo-saxãs onde o nível de poupança é baixo, elevar a poupança pessoal é parte da receita. Mas como governos podem encorajar a poupar? A política monetária é um instrumento, embora moderado. Em anos recentes, taxas de juros baixas encorajaram a tomada de empréstimos e causaram bolhas nos ativos. Embora esse consumo tenha no curto prazo sustentado a economia global, ele acelerou a queda da poupança. A volta a níveis normais nos juros deve incentivar a poupança. Outra abordagem é forçar as pessoas a pouparem mais, introduzindo por exemplo contribuições compulsórias a novas contas de previdência privada. Austrália e Suíça já fizeram isso. Embora possa ser uma alternativa importante para países com níveis de poupança extremamente baixos, não é uma medida liberal e a maioria dos países vem tentando encorajar a poupança, ao invés de forçá-la. A principal rota tem sido o código tributário. Sistemas de imposto de renda desencorajam a poupança ao taxarem os rendimentos duas vezes (primeiro quando a companhia realiza um lucro e depois quando um indivíduo recebe a receita do investimento). Do ponto de vista da maximização dos incentivos à poupança, a melhor política seria uma mudança total para um sistema de tributação baseado no consumo. Mas nenhum país da OCDE fez isso até agora, embora muitos consigam alguma receita com a taxação do consumo. Ao invés disso, formuladores de políticas criam incentivos à poupança dentro do sistema de imposto de renda. Individualmente, a maioria dos países oferece algum tipo de conta-poupança isenta. Segundo a OCDE, um país rico típico oferece subsídio de 20 centavos para cada dólar depositado nas contas previdenciárias. Os EUA, com um subsídio de 27 centavos por dólar, é o décimo maior. Este subsídio custa mais de 1% do PIB em receita tributária antecipada, muito mais que o total de poupança pessoal do país. Esses subsídios fazem sentido apenas se encorajam a poupança que de outra forma não ocorreria. As evidências disso são, na melhor das hipóteses, indefinidas. Estudos sugerem que as contas previdenciárias com isenções de impostos desviam a poupança já existente ou encorajam um volume de poupança nova muito pequeno. Ao interromper os impostos progressivos sobre a renda, essas contas proporcionam um subsídio mais gordo às pessoas mais ricas, que de qualquer maneira são as que vão poupar mais. Na maioria dos países, o sistema tributário desencoraja os pobres de pouparem. Os imóveis são outra área em que o código tributário distorce o comportamento de poupança. Deduções de dívidas e isenções sobre ganhos de capital para propriedades residenciais favorecem um aplicação excessiva em imóveis. John Makin, economista do American Enterprise Institute, calcula que as isenções tributárias para propriedades nos EUA vão custar cerca de US$ 1 trilhão nos próximos cinco anos, um rombo enorme no orçamento e conseqüentemente na poupança nacional. Ao invés do foco nos incentivos tributários, pesquisas econômicas recentes sugerem que os políticos deveriam olhar com mais atenção para o que faz as pessoas pararem de poupar. Muitos estudos de especialisats em comportamento sugerem que as pessoas são desencorajadas a poupar pelas dificuldade de tomar as decisões envolvidas. Nenhuma dessas mudanças vai aumentar dramaticamente as taxas de poupança dos lares. Mas tornarão mais fácil para aqueles que poupam menos, guardar algum dinheiro, enquanto que ao mesmo tempo vai reduzir a carga fiscal dos subsídios tributários mal colocados aos ricos. As pessoas mais pobres, os orçamentos governamentais e as taxas nacionais de poupança verão algum benefício.