Título: Déficit no sistema público pede novo ajuste
Autor: Adriana Aguilar
Fonte: Valor Econômico, 27/04/2005, PREVIDÊNCIA PRIVADA, p. F1;2;3;4;5

A previdência social será um dos principais tópicos da agenda do próximo governo. O envelhecimento crescente da população brasileira nos próximos vinte anos vai representar uma pressão extra nas contas já deficitárias do setor e tornará urgente a necessidade de novos ajustes, mas também se converterá em um obstáculo político a mais a ser superado. Outra pressão virá do mercado informal de trabalho, que nos últimos anos vem crescendo rapidamente. Em outubro do ano passado, o economista Fabio Giambiagi, do Instituto de Pesquisas Econômicas Aplicadas (Ipea), com a ajuda de alguns colegas, elaborou um estudo sobre a previdência social. Em um cenário sem nenhuma mudança de regra na concessão de benefícios no INSS, sem aumento real do salário mínimo e crescimento do PIB de 4% ao ano, as despesas previdenciárias e assistenciais ficariam em 7,7% do PIB nos próximos cinco anos e cairiam para 7,4% apenas em 2030. Entre 2005 e 2030, o estudo mostra que elas ficariam sempre acima de 7% do PIB. "De 1994 a 2003, com um envelhecimento moderado, os gastos com o INSS passaram de 2,5% do PIB para 7,3%", diz Giambiagi. "Agora a pressão será maior: ou nos preparamos, com novos ajustes, ou a proporção dos gastos previdenciários com o PIB continuará elevadíssima, o que reduz o fôlego para investimentos necessários, como em infra-estrutura". Os cálculos de analistas do setor chegam à mesma conclusão. Sem outros ajustes e em um cenário pressionado, o governo continuaria gastando mais de R$ 100 bilhões anuais com todo o setor e poderia continuar amargando um déficit, incluindo municípios, Estados e servidores, de, pelo menos, 4% por ano nas próximas décadas. Hoje a participação dos indivíduos de 60 anos ou mais na população está perto de 9%, ou 16 milhões de pessoas. Até 2020, ela irá crescer, chegando a 13%, ou 28 milhões de idosos, segundo estimativas do IBGE. De 2020 a 2030, a expansão será ainda maior: 40 milhões de pessoas, ou 17% do total de brasileiros, terão 60 anos ou mais. Ao mesmo tempo, a esperança de vida dos brasileiros está melhorando nas últimas décadas. No início da década de 1980, os brasileiros, em média, viviam 62,6 anos. Dez anos depois, o indicador aumentou para 66,9 anos. E não parou de melhorar: em 2003, a esperança de vida da população chegou a 71,3 anos. As mulheres são as principais beneficiadas com o acréscimo da rede de saúde, maior acesso a remédios e melhora das condições de vida. A esperança de vida delas está em 74,4 anos, acima da média dos homens, de 70,9 anos, apesar de elas se aposentarem com idade mínima menor que a da população masculina, o que também cria um desafio extra. Enquanto a população envelhece e tem maior expectativa de vida, as aposentadorias precoces continuam. Em 1997, 82% das pessoas que se aposentavam o faziam antes dos 55 anos. Em 2003, esse percentual caiu, mas está acima de 50%, aponta o estudo do Ipea. "Não é apenas o envelhecimento e a maior expectativa de vida que tornam o problema complicado, mas também o aumento da economia informal", afirma Ana Amélia Camarano, do Ipea, que elaborou um amplo estudo sobre previsões populacionais para os próximos anos. Ana Amélia estima que cerca de 40 milhões de pessoas trabalhem na economia informal, ou seja, são pessoas que não contribuem nem receberão dinheiro da previdência social. "Esse é um dos maiores problemas, já que há uma redução do número de contribuintes. O que essas pessoas receberão quando ficarem mais velhas? Serão velhos de ruas?", indaga Ana Amélia. Tempo é uma variável fundamental nessa equação, mas, se as demandas por políticas de saúde e previdência desse grupo mais idoso irão aumentar, seu peso na sociedade também crescerá. "Do ponto de vista político, o envelhecimento torna mais difícil aprovar projetos que mudem as regras e ofereçam maior sustentabilidade", diz Giambiagi. Mas o cenário atual e o futuro também tornam a necessidade de um ajuste mais profundo urgente e inevitável. "Há muito espaço para piorarem esses números, é um desafio não apenas do Brasil, mas de todos os países, mas há tempo para resolvê-lo", afirma Raul Velloso, um dos maiores especialistas em contas públicas do país. "As contas públicas hoje são um dos grandes obstáculos do país, o que faz com que a parcela destinada a investimentos seja inferior a 4% do PIB", afirma Edward Amadeo, ex-secretário de política econômica do Ministério da Fazenda e ex-ministro do Trabalho, hoje sócio da Tendências Consultoria. O que poderia ser feito? Aumentar a idade mínima de concessão de aposentadoria e reduzir a diferença da idade mínima existente para se aposentar entre homens e mulheres são duas das medidas propostas no estudo de Giambiagi, do Ipea. Aumentar a economia formal seria outro passo, na visão de Ana Amélia. Problemas que têm de ser enfrentados o quanto antes. O governo está atento ao setor. No fim de março, o Ministério da Previdência anunciou metas ambiciosas para os dois últimos anos do atual governo: reduzir em R$ 20 bilhões o déficit do INSS, melhorando a gestão administrativa, controlando fraudes e aumentando a arrecadação por meio de recuperação de dívidas e ações judiciais. Para este ano, o governo espera reduzir de R$ 37,8 bilhões para R$ 32 bilhões o déficit da previdência e de R$ 38 bilhões para R$ 24 bilhões em 2006. As metas foram um recado claro ao mercado: o atual governo, acusado de relaxar nas contas fiscais, mantém o rigor nas contas públicas. "O rigor fiscal ao lado do câmbio flutuante é uma das marcas da política macroeconômica", disse o secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda, Marcos Lisboa. O envelhecimento da população deve aumentar a procura por planos de aposentadoria privada? Os 40 milhões de pessoas que trabalham na economia informal poderão ingressar nesses planos? Para Ana Amélia, tudo dependerá da evolução da renda do trabalhador e do crescimento econômico do país. Um indivíduo que ganhe R$ 2,8 mil por mês dificilmente irá procurar uma complementação salarial, já que recebe um valor próximo ao teto do INSS, hoje perto de R$ 2,5 mil.