Título: Mal na foto
Autor: Eliana Cardoso
Fonte: Valor Econômico, 28/04/2005, Brasil, p. A2

Saul Bellow, romancista americano de gênio e prêmio Nobel de literatura, morreu neste mês de abril. Era um dândi preocupado com a própria aparência e a esse tema dedicou o ensaio "Graven Images". Uma "graven image" é uma estátua, uma imagem gravada. Mas a palavra "graven" (do verbo "to grave", que significa esculpir) também lembra o substantivo inglês "grave", que significa sepultura. No ensaio de 1997, Saul Bellow comenta sua própria decadência física, que os fotógrafos captaram sem piedade. O ensaio começa com uma referência a Harry Truman, que dizia: "Como presidente dos EUA, sou seu cidadão mais poderoso" e, com um sorriso, completava que seus fotógrafos tinham ainda mais poder, pois podiam lhe ordenar como cruzar as pernas, segurar uma carta, folhear um livro. Truman acatava a ordem. Sabia que o julgamento do povo sobre seu chefe dependia em boa medida da foto no jornal. O presidente Lula tem saído mal nas fotos. Cada vez que abre a boca grava uma imagem negativa e cava a própria sepultura. Na semana passada declarou que o Brasil tirou a Alca da agenda. Seu ministro desmentiu. Em 25/4 acusou a colunista e seu leitor de não "levantar o traseiro" e nos transferiu a responsabilidade pelos juros altos nos bancos. Errou feio. As medidas para conseguir a façanha de baixar os juros cabem ao presidente e seu governo: redução dos gastos públicos e da informalidade para permitir um corte na Selic, redução dos impostos (inclusive da alíquota da CPMF), redução do crédito direcionado e redução do compulsório. A acusação do presidente é vulgar. E tão equivocada quanto algumas respostas que apareceram na imprensa ontem, como a sugestão ao Banco do Brasil para que ofereça crédito a taxas de juros mais baixas que as do mercado. Quem o sugere tem memória curta, pois esqueceu as experiências de recapitalização do BB à custa do contribuinte. O oba-oba a respeito do crédito consignado também é injustificável. O empréstimo com desconto em folha de pagamento reduz os juros porque reduz o risco de inadimplência. Mas se o trabalhador não calcula direito a implicação das prestações futuras no seu orçamento, pode ficar sem comer ao receber o salário líquido das prestações que contratou. Os políticos não estão preocupados com o prato de comida do trabalhador, mas os bancos calculam a possibilidade de uma desaceleração da economia e perdem interesse no crédito consignado. Pois o crédito consignado não evita a inadimplência do trabalhador que perde o emprego. Em março ela subiu com força nas financeiras.

Lula esqueceu que existe um país a governar

Ontem, mais uma vez, o presidente saiu mal na foto: "As pessoas falam que o aumento da taxa Selic vai diminuir o consumo, mas a verdade nua e crua é que a quantidade de dinheiro que está sendo jogada no mercado não estava prevista". Lula já avisou o Meirelles? A intenção declarada do BC é opor-se à festa prometida pelo presidente. Tanta coisa por fazer e nosso algoz a deitar falação e deixar de lado a reforma tributária. Para as empresas, os impostos se tornaram tão pesados e complexos que a atividade produtiva parece menos lucrativa que sair à caça de um incentivo fiscal aqui, uma renúncia ali, um arranjo acolá. Para o governo, "quanto mais complicado o sistema tributário se torna, mais fácil complicá-lo ainda mais, num processo acelerado de insanidade galopante" ("The Economist", 16/4). Quando a loucura chega ao limite, uma simplificação radical se impõe. O Brasil chegou nesse limite. Antes de nós, a Irlanda combinou juros altos com impostos altos para brigar com uma relação dívida/PIB produzida por uma política fiscal ativista e crescimento medíocre. A partir de 1986, o governo se viu impedido de continuar a aumentar os impostos, começou a cortar gastos e aboliu o protecionismo. O milagre veio entre 1996 e 2000, com 9,7% de crescimento ao ano graças à contínua redução do Estado e da reforma tributária que cortou o Imposto de Renda das empresas pela metade e transformou a Irlanda num ímã para o investimento direto. No Brasil, a complexidade do sistema tributário não se encontra no Imposto de Renda, simplificado durante a gestão FHC. Ainda assim, dá inveja um sistema mais radical sem permissão de deduções de qualquer tipo e com alíquota única (mas isenção para rendas abaixo de um piso) já em uso na Estônia, Letônia, Lituânia, Rússia, Sérvia, Ucrânia, Eslováquia, Geórgia e Romênia. Quem gosta de Imposto de Renda complicado argumenta que o sistema de alíquota única contraria a exigência de que os mais ricos paguem proporcionalmente mais do que os menos ricos. Desde que o imposto não recaia sobre as rendas situadas abaixo daquela que corresponde, por exemplo, à renda média da sociedade, o princípio de progressividade é preservado. Principalmente porque nos sistemas com alíquotas progressivas e deduções, os ricos e seus advogados pagam proporcionalmente menos do que as classes médias, usando incentivos e oportunidades para evadir o imposto, muitas vezes de forma legal. Mas as distorções mais graves de nosso sistema não estão no Imposto de Renda, mas na profusão de alíquotas, impostos e contribuições que se sobrepõem e se misturam com concessões e renúncias ditadas pelo ativismo fiscal. A simplificação desse sistema reduziria brutalmente os custos administrativos e a evasão fiscal do sistema vigente. Lula, seu partido e aliados esqueceram que existe um país a governar e começaram a campanha eleitoral de 2006. A oposição torce para que o presidente fale de improviso todos os dias. Mas deveria lembrar que também precisa propor uma agenda menos contraditória que a do governo e escolher um candidato capaz de conquistar a confiança e a simpatia dos eleitores. Ficará melhor na foto quem mostrar coerência e dedicação às reformas que interessam ao país.