Título: Crise argentina de energia afeta o Brasil
Autor: Paulo Braga
Fonte: Valor Econômico, 28/04/2005, Brasil, p. A3

Os problemas com o abastecimento de energia enfrentados pela Argentina, e que tendem a se agravar no inverno, começaram a chegar ao Brasil. A geradora Central Costanera, controlada pela espanhola Endesa, enviou ontem um comunicado à bolsa portenha informando que não poderá cumprir os contratos de fornecimento de energia ao país vizinho. O corte no envio de energia é a primeira conseqüência prática para o Brasil da escassez de gás e eletricidade vivida pela Argentina. Segundo declarações de um funcionário da Central Costanera à agência "DowJones", nas últimas três semanas a companhia tem enviado apenas 60% dos 900 megawatts/hora previstos no contrato de fornecimento à Companhia de Interconexão Energética (Cien). Segundo o Valor apurou, os cortes no fornecimento de energia já eram esperados pelo governo brasileiro, e a gravidade da situação motivou a ida a Buenos Aires, no início desta semana, da ministra das Minas e Energia, Dilma Roussef. A ministra brasileira se reuniu com o ministro do Planejamento argentino, Julio de Vido, para negociar uma reformulação de emergência e em caráter provisório dos contratos de venda de energia às empresas brasileiras. Na terça-feira, os subsecretários argentinos das áreas de combustível e eletricidade estarão em Brasília para novas reuniões. Os contratos vigentes atualmente prevêem o despacho de até 2.200 megawatts/hora de eletricidade, pela linha de Garabi, Santa Catarina, e gás equivalente a 400 megawatts/hora para a termelétrica de Uruguaiana. A negociação é feita na modalidade "take or pay", o que significa que os compradores pagam pela energia usando-a ou não, mas o vendedor tem de garantir o fornecimento até o limite pactuado caso ele seja solicitado. Como as empresas argentinas não poderão cumprir com o que foi acertado, estão sujeitas ao pagamento de multas e até rescisão dos contratos. O objetivo do Brasil é conseguir que o governo argentino garanta um suprimento mínimo de energia, abaixo do definido atualmente, para pelo menos evitar que o impacto de uma eventual interrupção total do abastecimento termine por inviabilizar o intercâmbio energético entre os dois países. O receio expressado por uma fonte do governo brasileiro é que o governo argentino tenha com o Brasil a mesma postura que teve com o Chile durante a crise energética do ano passado: sob o argumento de que os contratos de exportação de energia podem ser descumpridos se há escassez no mercado doméstico, a Argentina diminuiu ou cortou os despachos de gás ao Chile e o problema já está ocorrendo novamente neste ano. Ao mesmo tempo, as autoridades argentinas responsabilizam as empresas pela crise energética, porque não teriam feito os investimentos necessários para ampliar a produção. Na negociação com a vizinha Argentina, o Brasil tem a seu favor o fato de ter cedido, no ano passado, uma parcela de energia que ajudou a diminuir os efeitos da crise de oferta do insumo no país vizinho. Além disso, no longo prazo, a manutenção de laços no setor de energia tende a beneficiar mais a Argentina que o Brasil.