Título: Falsos brilhantes agridem consumidor
Autor: Wanderley Guilherme dos Santos
Fonte: Valor Econômico, 28/04/2005, Política, p. A8

A primeira frase da principal matéria de primeira página do Valor de sexta-feira e fim de semana passados foi a seguinte: "As exportações foram o motor da economia no primeiro trimestre, ao contrário do que se previa". A rigor, o fato não era jornalístico, posto que corriqueiro. Não há um só dia em que os especialistas em economia não sejam desmentidos. Treinados em explicações do dia seguinte, também não passa um fim de semana sem que algum desses profissionais justifique porque os prognósticos não se verificaram. Protegida por cerradas argumentações posteriores aos acontecimentos, a economia é a mais xamanística das disciplinas científicas. Não existem vazios no universo conceitual econômico. Cada fato se segue implacavelmente ao fato que o antecedeu, assim como este procedia de outro. É o delírio do princípio da razão suficiente de que padece o pensamento primitivo. O consumidor tem razões de sobra para reclamar. Se dispuser de renda líquida típica da classe média brasileira, e for dado ao consumo de bens conspícuos, descobrirá que o poder de compra nominal de sua renda é sistematicamente fraudado pelo pífio valor real das mercadorias que adquire a conselho de terceiros. Estou entre os que acreditam na boa fé e competência das colunas especializadas em economia, música, literatura, restaurantes, cinema, teatro, mas pronto a testemunhar sobre a péssima qualidade dos produtos recomendados. Não falo de mezinhas econômicas porque estão aí mesmo os especialistas dissidentes (xamãs de outra tribo), adeptos da prática de assassinato de caráter, a desmascarar os competidores. Tudo inútil, porém, porque os consumidores não têm como escapar: ou engolem o óleo de rícino de uns ou o leite de magnésia de outros. O resultado, na memória infantil de todos, é o mesmo. Os fados não são diferentes em outras aventuras. Sabe-se lá o motivo, o certo é que de uns bancos para cá a crítica resolveu inventar candidatos nacionais ao Oscar americano. Ou a qualquer prêmio do gênero. Filmes, diretores, atores, atrizes são oferecidos em clima onírico, atiçando um nacionalismo de meia tigela, para tudo ficar esquecido na fatal quarta-feira de cinzas da genialidade caseira. Por eleição secreta, por exemplo, decretou-se que o Brasil é o país do grande documentário. Grande entre os grandes, o recente "Edifício Master" foi saudado como exemplo de grandiloqüência cinematográfica. Pois vá lá e veja como a câmera é pobre, imóvel diante do rosto das pessoas (já era estúpida quando Antonioni enganava o subúrbio), enquanto o entrevistador se revela tão precário como os personagens, fazendo perguntas desconexas, ou estereotipadas (o diálogo com a "garota de programa" é de péssimo gosto), aguardando o que de fato foi buscar: o choro de auto-piedade final do entrevistado. Pérfido. À altura das montagens baratas de Michael Moore.

Consumidor tem razões de sobra para reclamar

Se os filmes são outra coisa do que a crítica informa, a literatura não deixa por menos. Crítica literária é rara nos suplementos. Só há resenhas assegurando que a obra resenhada é de qualidade. Quase nunca é verdade. Leia "O Vendedor de Passados", José Eduardo Agualusa, e encontrará um tema promissor tratado com profundidade epidérmica. O Autor é simpático, mas nada no livro é para valer. Já tudo parece solenemente para valer, em José Saramago, cujo moralismo e deitação de regras dos últimos volumes (sobretudo nos ensaios sobre a cegueira e lucidez) são óbvios e simplórios, embora a escrita continue excelente. Magistral na forma e no fundo é outro português, António Lobo Antunes, até indicado para o Nobel, mas ignorado na patriazinha. Todos nós, consumidores, teríamos enorme deleite em ler alguma análise crítica comparativa dos dois universos temáticos e vocabulares: Saramago e Lobo Antunes. E a propósito de análise crítica e comparativa, quando é que um especialista, esquecendo a unanimidade dos registros laudatórios, virá iluminar os caminhos pelos quais o Luiz Ruffato de "Eles Eram Muitos Cavalos" desembocou no frustrante "Inferno Provisório"? - Ou se trata apenas da decepção deste despreparado consumidor? É possível que eu não tenha manifestado senão preferências rústicas e que as receitas econômicas, os documentários e a literatura recomendada (e nem falei no medíocre CD "A Falta que Você Me Faz", de Maria Bethânia, com dezenas de citações a mais do que Antonio Carlos Jobim em Minas Gerais) sejam de primeira qualidade. Sou cético.