Título: Severino compara MPs aos decretos-lei da ditadura
Autor: Raymundo Costa
Fonte: Valor Econômico, 28/04/2005, Política, p. A11

Antecipando-se a eventuais críticas, o deputado Severino Cavalcanti (PP-PE) culpou ontem o governo pela paralisação dos trabalhos na Câmara. Segundo cálculo do próprio Severino, desde que assumiu a presidência, até terça-feira passada, foram realizadas 30 sessões deliberativas, sendo que em 19 delas, "a pauta esteve trancada". Isso dá cerca de 62% das sessões do período. Isso ocorre, segundo o presidente da Câmara, "em função do excessivo, abusivo, desrespeitoso número de medidas provisórias", e por conta do corpo-mole da bancada governista, "não por qualquer impasse em relação ao seu mérito (das MPs), mas para impedir a apreciação de outras matérias que não têm nada a ver com o teor das referidas medidas provisórias". Severino fez essas afirmações em um discurso que levou por escrito para a reunião do colégio de líderes partidários, na manhã de ontem. Foi um discurso duro, no qual chegou a afirmar que "falta muito pouco para se igualar aos sombrios tempos do regime militar, quando, em razão do decreto-lei, que era aprovado na maioria das vezes por decurso de prazo, estimulava-se a ausência dos senhores parlamentares". A iniciativa de Severino foi mais um desdobramento da crise pela qual passa a Câmara desde a eleição do deputado pernambucano para a presidência da Casa, contra o candidato do PT, Luiz Eduardo Greenhalgh (PT-SP). Desde então o governo não conseguiu mais recompor uma maioria confortável para enfrentar as votações. Sem segurança, tem preferido obstruir e retardar as votações, como diz Severino. Com a derrota de Greenhalgh, o governo perdeu inteiramente o controle sobre a pauta, agenda que Severino tem feito de acordo com seus interesses, que ele diz serem os da Câmara. Votadas as MPs, o deputado quer votar parte da reforma tributária que aumenta em um ponto percentual o repasse do Fundo de Participação dos Municípios (FPM). O governo preferiria que ele marcasse uma data distante, para lhe dar tempo de negociar como um todo a reforma tributária com prefeitos e governadores. Sem acordo com Severino, resta ao governo obstruir a pauta e jogar para frente a discussão. Recentemente, o PT descobriu uma outra vantagem para a obstrução: quanto mais tranca a pauta, deixa menos tempo para a discussão e votação, mais adiante, da emenda constitucional que acaba com a verticalização das eleições, matéria considerada vital no Planalto para a reeleição do presidente Lula. Para valer em 2006, a emenda terá de ser votada até o início de outubro. Ontem mesmo, os governistas se comprometeram a votar apenas duas MPs na sessão de hoje. "O que está acontecendo? Partidos da base do governo retardam e obstruem as votações, inscrevendo-se mais e mais oradores. O que não dá para entender é a base do governo fazer oposição às medidas propostas pelo governo". Com seu discurso, Severino Cavalcanti antecipou-se a uma cobrança que lhe seria feita pelo deputado José Carlos Aleluia (PFL-BA). "Se nós, democratas, achamos que a pauta não pode ser feita só pela maioria, muito menos pela minoria", disse Aleluia, referindo-se ao fato de a pauta ser feita exclusivamente pelo presidente da Câmara. O governo, aos poucos, vem tentando recompor a maioria na Câmara, o que era esperado ocorrer com a reforma ministerial abortada por Lula. Por enquanto, conseguiu número para retardar as votações, mas ainda não tem segurança para enfrentar sobretudo votações polêmicas como o fatiamento da reforma tributária. A bancada do PMDB, por exemplo, sofre os efeitos da disputa entre os aliados do ex-governador Anthony Garotinho (RJ) e os que se inclinam por apoiar Lula em 2006. Há votações até em que dois deputados orientam a bancada.