Título: Crédito começa a ceder ao juro alto
Autor: Alex Ribeiro
Fonte: Valor Econômico, 28/04/2005, Finanças, p. C1

Dados divulgados ontem pelo Banco Central mostram que o crédito bancário já sente de maneira plena os efeitos do aperto na política monetária implementado desde setembro de 2004. Em março, houve recuo nas médias diárias das concessões de empréstimos tanto para pessoas físicas (queda de 4,9%, na comparação com o mês anterior) quanto para empresas (5,7%). O diagnóstico do Departamento Econômico do BC é que, no caso das empresas, está havendo uma estagnação dos volumes de empréstimos. No caso do crédito às pessoas, os volumes ainda estão crescendo, mas a uma velocidade bem menor do que a observada desde 2003.

Há tempos os analistas econômicos vinham aguardando que o juro alto fizesse efeito sobre os volumes de crédito. Chegou-se até a debater se as mudanças estruturais no crédito - como os empréstimos com desconto em folha de pagamento de salários - não estariam tirando a eficiência desse canal de transmissão da política monetária. Até os meses anteriores, o que se via era basicamente o encarecimento dos juros bancários, sem maiores conseqüências sobre o apetite dos clientes por se endividar. Esse não é um efeito desprezível: a alta das taxas cobradas pelos bancos, por si só, contém a demanda agregada, ao elevar o custo de oportunidade de novos investimentos. Mas, na conjuntura atual, em que a economia cresce também puxada pela expansão da renda, era esperada a contenção dos volumes de crédito, para evitar o desequilíbrio entre a oferta e a demanda agregadas. As estatísticas do BC revelam que os volumes de crédito finalmente se acomodaram. A média diária de empréstimos para empresas recuou de R$ 3,431 bilhões para R$ 3,236 bilhões entre fevereiro e março. Com isso, o fluxo de novos empréstimos é suficiente basicamente para repor o crédito que está vencendo. Assim, o volume de crédito em moeda nacional para as empresas manteve-se estagnado em março. Em relação ao mês anterior, houve um avanço de 0,9%, que não se deve ao aumento do volume de empréstimos, mas sim ao efeito contábil da apropriação de juros sobre o estoque de crédito. Várias linhas de capital de giro sofreram redução nos volumes de concessão em março, como o "hot money" (22,1%), o desconto de duplicatas (1,7%) e o capital de giro (1,9%). O chefe do Departamento Econômico do BC, Altamir Lopes, explica que a política monetária produz um efeito importante na demanda agregada justamente por meio de linhas de crédito como essas, ao encarecer o custo da manutenção de estoques, induzir as empresas a reduzi-los. No caso das pessoas físicas, também houve queda na média diária de empréstimos, que passou de R$ 1,771 bilhão para R$ 1,685 bilhão, entre fevereiro e março. Mas o volume atual de concessões ainda supera o volume de vencimentos - sendo, portanto, suficiente para manter um ritmo moderado de crescimento no estoque total de crédito às famílias. Em março, esse volume se expandiu 3,5%, chegando a R$ 124,917 bilhões. Mas o simples fato de ter havido uma acomodação na concessão de novos empréstimos significa que, no médio prazo, haverá uma estabilização do estoque total da economia, conforme as operações concedidas no passado recente começarem a vencer. Em seu relatório trimestral de inflação de março, o BC comunicou que identificava uma acomodação no crédito bancário. No documento, a autoridade monetária sustentava que a política de juros não deixou de ter os costumeiros efeitos sobre o crédito e a atividade econômica - o que havia, na verdade, era uma dificuldade entre os analistas econômicos para identificar esse movimento. A transmissão da política monetária sobre o crédito não ocorre de forma direta. O BC tem controle apenas sob o juro de curtíssimo prazo, mas o que influencia os custos dos empréstimos bancários é a curva de juros futuros. Em maio, meses antes de o BC iniciar a alta de juros, o mercado financeiro antecipou a perspectiva de alta na taxa Selic, elevando a curva de juros. Esse movimento pressionou progressivamente as taxas cobradas pelos bancos das pessoas jurídicas (subiram 3 pontos percentuais desde meados do ano passado, atingindo 32,9% ao ano em março) e das pessoas físicas (alta de cerca de 2 pontos, para 64% ao ano). É inegável que as mudanças estruturais no mercado de crédito suavizaram esse movimento de encarecimento dos empréstimos, mas não impediram que eles se concretizassem. Em decorrência do efeito crédito consignado, os juros de empréstimos pessoais subiram 2,5 pontos percentuais desde junho. Foi um movimento bem mais acanhado do que a alta de 5,8 pontos observada no cheque especial. Mas não deixa de ser um encarecimento no custo do dinheiro, que agora está se refletindo na redução dos novos volumes emprestados pelos bancos.