Título: Em busca do imposto menor
Autor: Daniele Camba e Luciana Monteiro
Fonte: Valor Econômico, 28/04/2005, EU &, p. D1

Entre o porto seguro dos fundos de curto prazo e a volatilidade maior dos de longo prazo, mas com a possibilidade de pagar menos imposto, os investidores estão preferindo arriscar. Após três meses da entrada em vigor da Instrução Normativa 487 da Receita Federal dividindo os fundos de renda fixa e DI pelo prazo dos papéis onde aplicam, os grandes bancos já detectam que existe uma procura bem maior pelos de longo prazo. Mais do que a chance de ter retornos maiores em carteiras que aplicam em títulos mais longos - prazo médio superior a 365 dias -, os investidores estão atrás do benefício fiscal, de pagar um imposto de renda até 7,5 pontos percentuais menor do que nos fundos de curto prazo. Na ponta do lápis, essa diferença de imposto a favor das carteiras de longo prazo pode ser muito mais importante do que qualquer ganho que se possa alcançar por uma gestão competente dos ativos, principalmente em fundos conservadores, como os DIs e renda fixa, onde é difícil se diferenciar. Os gestores alertam, no entanto, que é importante os investidores terem em mente que, na mesma proporção dos ganhos, a volatilidade de carteiras mais longas pode significar perdas maiores em momentos turbulentos do mercado. Hoje isso parece distante, mas tudo pode mudar rapidamente, como bem ilustra a crise da marcação a mercado de 2002, em que as LFTs oscilaram tanto que os fundos DIs, até então tidos como sem risco, chegaram a ter cota negativa. "Todo mundo quer longo prazo pelo imposto muito menor", diz a superintendente de investimentos do BankBoston, Sinara Figueiredo. "A conversa do investidor nem passa pela relação risco/retorno maior em títulos mais longos porque o risco é pequeno agora e o diferencial vem mesmo do imposto menor", diz a executiva. A grande diferença de captação entre os fundos de curto e longo prazo do Boston é uma boa mostra dessa escolha, que também ocorre em outros bancos. Com a separação feita pela Receita, o Boston abriu um fundo DI de curto prazo - o Boston Maxi DI Curto Prazo - que no acumulado do ano captou apenas R$ 10 milhões, enquanto que os DIs de longo prazo - o Boston Maxi DI e o Boston Maxi Performance DI - captaram R$ 186 milhões e R$ 150 milhões, respectivamente. O Maxi investe em papéis pós-fixados com prazo muito próximo a um ano, portanto pouco volátil. Enquanto que o Performance aplica em títulos públicos mais longos - acima de dois anos - e foi criado em 2002, para aproveitar os prêmios embutidos nas LFTs de longo prazo pelo evento da crise de marcação a mercado dos papéis. Para Sinara, a captação maior no Maxi DI (com papéis pouco acima de um ano) é um sinal importante de que o investidor quer garantir o benefício fiscal do imposto de renda menor, mas correndo o mínimo possível de risco. "Curto ou longo prazo, o aplicador em fundo DI continua querendo sossego e não solavancos nas cotas", diz Sinara. A ânsia de aproveitar o benefício de um imposto menor nos fundos de longo prazo era tanta que a superintendente do Boston lembra que os investidores foram nas assembléias do fim do ano passado só para saber se o fundo em que aplicavam iria virar de longo prazo. "Depois que se certificavam que sim, levantavam e iam embora", lembra a superintendente. Os executivos do banco estavam se preparando para receber reclamações de clientes que não gostariam de permanecer em fundos que se transformaram em longo prazo e foram surpreendidos com a enorme receptividade. "Acho que receberíamos reclamações se os fundos não tivessem passados para o longo prazo", diz Sinara. Muito mais do que por ganhos maiores, os investidores buscam o alongamento para conseguir uma mordida menor do leão sobre seus ganhos. E essa preocupação faz todo sentido. Nos fundos mais longos, o investidor que permanecer com aplicação até seis meses paga 22,5% de imposto sobre os ganhos. Entre seis meses e um ano paga os 20% em vigor anteriormente. Entre um e dois anos o imposto cai para 17,5% e acima de dois anos paga apenas 15%. Já nos demais, pagará no mínimo 20% de IR, não importa o tempo que permanecer no fundo. "Por mais competente que seja a gestão de um fundo de renda fixa, dificilmente ele conseguirá dar o ganho que o investidor tem com uma diferença tão grande de imposto", diz o diretor de investimentos da HSBC Investment Management Marcos de Callis. Ele lembra que, exatamente por esse motivo, a partir de agora é importante o investidor olhar o retorno líquido do fundo - depois do IR. Pelo menos neste momento, pelo ganho bruto em si, não há grandes diferenças entre os fundos de curto e longo prazo. Os prêmios embutidos nos títulos públicos mais longos vêm caindo, exatamente por causa da demanda maior por parte dos fundos que precisam alongar o prazo médio das carteiras. A superintendente do BankBoston lembra que uma LFT (papel pós-fixado) com vencimento em 2008, por exemplo, paga hoje 0,28% acima da taxa de juros Selic, enquanto que na crise de 2002 esse percentual chegou a 2,70%. "O retorno está pequeno porque a procura por esses papéis é grande e o risco atual baixo", diz Sinara. Mas, mesmo menores, ainda há prêmios nas LFTs de longo prazo. Segundo o diretor da ABN Amro Asset Management, Eduardo Castro, a LFT para dezembro de 2008 paga 102,5% do CDI enquanto que a de seis meses paga algo como 100,3% do CDI. Os fundos de curto prazo, segundo Castro, estão rendendo entre 99,90% e 100,1% do CDI e os de longo prazo cerca de 102,5% do CDI. "Esse retorno um pouco maior, somado ao pagamento menor de IR, torna os produtos longos bem mais rentáveis que os curtos", diz Castro. Assim como o BankBoston, a Caixa Econômica Federal (CEF) também registra uma procura bem maior nos 20 fundos de varejo que transformou em longo prazo, comparado com os quatro que ficaram no curto. Segundo o vice-presidente de Administração de Recursos de Terceiros da Caixa, Wilson Risolia, os clientes preferiram o alongamento, uma vez que o tempo médio de aplicação nos fundos do banco já era superior a dois anos. "O investidor já ficava um bom tempo no fundo e aproveitou para usufruir do IR menor e aumentar as aplicações na carteira de longo prazo", diz Risolia. As carteiras mais longas atraíram também recursos de clientes que ainda não aplicavam e que, com o benefício fiscal, encontraram uma boa oportunidade. Risolia não entra em detalhes, mas afirma que, graças a essa captação, só no primeiro trimestre a Caixa já atingiu 50% da meta prevista para o ano. Na BB DTVM, aproximadamente 70% dos clientes está no curto prazo, conta Nelson Rocha Augusto, presidente da gestora. A maior parte do volume administrado, no entanto, está concentrado no longo prazo. Segundo Rocha Augusto, cerca de 80% dos recursos estão em fundos com títulos mais longos e 20% nos curto prazo. A captação de mais de R$ 10 bilhões somente neste ano seguiu essa proporção, diz. No que se refere à rentabilidade das carteiras, Rocha Augusto diz que os fundos de renda fixa têm até o momento ganhos muito parecidos, mas as carteiras de longo prazo já começam a apresentar retornos um pouco maiores. "Ainda é bastante sutil", diz. "A maior parte do mercado foi para o longo prazo e alongou o perfil das carteiras fazendo com que o deságio das LFTs caíssem sensivelmente." O benefício fiscal nos fundos de longo prazo já se reflete no alongamento da dívida pública. Segundo o coordenador de Operação da Dívida Pública do Tesouro Nacional, Ronnie Tavares, o efeito se vê, por exemplo, no percentual dos títulos vencendo em 12 meses. Em dezembro esse percentual era 46,08% do total da dívida. Em janeiro caiu para 43,94% e para 43,21% em fevereiro. O prazo médio de emissão das LFTs subiu de 23,13 meses em dezembro para 27,14 em janeiro e 30,66 meses em fevereiro.