Título: 500 mil mortes sem julgamento
Autor: Abreu, Diego
Fonte: Correio Braziliense, 06/03/2010, Brasil, p. 12
CNJ estabelece meta de resolver, ainda este ano, todos os casos de homicídio protocolados até o fim de 2007. Estimativa é que meio milhão de crimes contra a vida estejam pendentes
Depois de ter criado metas no ano passado para reverter a tradicional morosidade do Judiciário brasileiro, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) definiu como principal foco para 2010 a agilidade no julgamento de processos criminais. A expectativa é a de que todos os casos de homicídio doloso (aquele em que o réu teve a intenção de matar) protocolados na Justiça até o fim de 2007 sejam julgados ainda este ano.
Em entrevista ao Correio, o secretário-geral do CNJ, Rubens Curado, revelou que a estimativa do Conselho é de que dentro desse leque haja 500 mil casos de crimes contra a vida pendentes de julgamento. ¿Vamos ter um número preciso daqui para meados de abril. Hoje, nós temos uma estimativa de que há algo em torno de 500 mil processos só de casos do tribunal do júri (crimes contra a vida) pendentes de julgamento¿, detalhou.
De 2000 a 2006, 337.213 homicídios foram registrados no país, conforme os dados mais atuais do Mapa da Violência, divulgado pelo governo federal. Em 2006, foram 46.660 casos. A estimativa de 500 mil casos não julgados equivale a todos os homicídios ocorridos no Brasil durante um período de dez anos.
Curado destacou que a Justiça Criminal vai ser priorizada em 2010 por conta do elevado número de processos que não são julgados e acabam ficando engavetados nos tribunais. O secretário do CNJ destacou ainda que muitos casos prescrevem por falta de julgamento. A juíza Higyna Bezerra, que atua na Paraíba, citou que em um dos tribunais do júri de João Pessoa mais de 40% dos processos prescreveram. Segundo ela, 49 de um total de 115 casos.
Higyna citou como exemplo o caso do réu Flávio Batista dos Santos, acusado da prática de crime de homicídio qualificado, que fugiu da cidade onde teria cometido o homicídio. Apesar de ter sido pronunciado pela Justiça em junho de 1989, ele não chegou a ser julgado pelo Júri. Em agosto do ano passado, o tribunal reconheceu a prescrição do crime. Esse é apenas mais um entre dezenas de milhares de prescrições que ocorrem anualmente no país.
De acordo com o secretário, o objetivo do CNJ é dar uma resposta para a sociedade de que os crimes mais graves são a prioridade. ¿Ou seja, o crime de homicídio passa a ser uma prioridade da prioridade, e passa a ser de três anos o prazo para julgá-lo. Ainda está longe do ideal, mas a ideia é diminuir esse prazo para um ano. Hoje, não é possível. Temos que evoluir degrau por degrau¿, explicou.
Em 26 de fevereiro, o presidente do Supremo Tribunal Federal (STF) e do CNJ, ministro Gilmar Mendes, divulgou 10 metas prioritárias para serem cumpridas pelo Poder Judiciário até o fim do ano. A principal delas, a nova Meta 2, prevê que os tribunais do país julguem até o fim de 2010 todos os processos distribuídos até 31 de dezembro de 2006.
No entanto, o CNJ fixou uma meta mais ousada para os casos de crime contra a vida. A ideia é que todos os processos iniciados até 31 de dezembro de 2007 nos tribunais do júri sejam julgados até o fim deste ano. O mesmo critério foi adotado com relação às ações que chegaram até essa data na Justiça Trabalhista e Militar, áreas menos congestionadas.
Entre as prioridades da Justiça brasileira para o ano também está a Meta 1, que estabelece que os tribunais julguem mais processos do que o número de ações que entrarem ao longo do ano. O objetivo é reduzir o estoque de ações acumuladas país afora.
¿Em 2008, entraram no Poder Judiciário 25 milhões de processos, e o Judiciário pôs para fora 22 milhões. Então, perdemos em 3 milhões de processos no ano de 2008¿, disse Rubens Curado. ¿A ideia é superar a demanda no ano de 2010. O objetivo é que não aumente o estoque, e se possível diminuir o estoque que temos de processo, para combater a morosidade¿, completou.
A quantidade de casos de homicídio impunes no país assusta a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) e a Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB). O presidente nacional da OAB, Ophir Cavalcante, lamenta o fato de, segundo ele, ocorrerem sucessivos casos de prescrição por ¿morosidade da Justiça¿.
Cavalcante, porém, diz ter a esperança de que a Justiça do Brasil possa ¿viver novos tempos¿ a partir da mobilização de entidades e do CNJ em torno das metas. ¿A Ordem tem se engajado para evitar situações como essa (de prescrição de crimes) e reconhece que o CNJ veio modificar a relação do Judiciário com a sociedade¿, afirmou.
O presidente da AMB, Mozart Valadares, considera que a demora nos julgamentos ¿gera um clima de impunidade e de insegurança na sociedade¿. ¿Acho que é uma grande virtude se criar essa cultura de cumprimento de metas na magistratura¿, elogiou.
O crime de homicídio passa a ser uma prioridade da prioridade, e passa a ser de três anos o prazo para julgá-lo¿