Título: Abdenur quer evitar temor agrícola
Autor: Sergio Leo
Fonte: Valor Econômico, 11/10/2004, Brasil, p. A-3

O crescente temor de produtores dos Estados Unidos em relação à competitividade do agronegócio brasileiro pode criar problemas políticos nas relações entre os dois países, se as diplomacias brasileira e americana não se prevenirem, alerta o embaixador do Brasil nos EUA, Roberto Abdenur. Em Brasília para acompanhar a visita ao país do secretário de Estado americano, Colin Powell, e discutir com o governo temas da relação bilateral, Abdenur fez, para o Valor um balanço de seis meses no cargo. Ele previu que, logo após o término das eleições nos Estados Unidos, em novembro, os dois governos devem reiniciar consultas para retomar as negociações da Área de Livre Comércio das Américas (Alca). "Dissemos ao Powell: estamos prontos a recomeçar as discussões da Alca, logo após as eleições." Seguindo a avaliação corrente em Brasília - e confirmada de viva voz por Powell, durante sua visita ao país - Abdenur diz que nunca viu tanto reconhecimento no governo americano à atuação internacional do Brasil. Para evitar que o desconforto com a competição brasileira gere problemas com o lobby agrícola no Congresso americano, Abdenur tem procurado autoridades, empresários e políticos americanos. "Vejo mais e mais levantarem-se preocupações e vozes com relação ao Brasil", comentou. "Isso será um desafio aos dois países e teremos de administrá-lo com muita seriedade e pragmatismo." A saída para evitar maiores conflitos, segundo o embaixador, é "valorizar" o terreno comum ao setor agrícola dos dois países. "Existem setores vinculados ao agronegócio americano que se beneficiam muito da prosperidade do agronegócio brasileiro", defende Abdenur, citando empresas de maquinário agrícola, fertilizantes e tecnologia rural. O embaixador brasileiro também acredita ser possível um trabalho conjunto mesmo em setores onde é forte o conflito de interesses, como suco de laranja e soja. "Somos grandes produtores, podemos brigar juntos em terceiros mercados pela derrubada de barreiras sanitárias, adoção de melhores medidas de comércio, para evitar abusos e fazendo promoções conjuntas", acredita. No esforço para remover futuros obstáculos, Abdenur tenta estabelecer boas relações com um dos críticos mais ferozes do Brasil no Congresso americano, o presidente do Comitê de Finanças do Senado (que também regula assuntos de comércio), Bill Grassley, do protecionista estado de Yowa. Grassley, no ano passado, foi um dos primeiros a divulgar críticas severas à atuação do Brasil na conferência da Organização Mundial do Comércio (OMC), em Cancún, quando foi formado o G-20, grupo de países em desenvolvimento contra a aliança dos ricos por um acordo pouco liberalizante na área agrícola. Na Conferência da Alca, em Miami, também em 2003, Grassley divulgou nota contra o Brasil pela resistência do país em aceitar um acordo como o desejado pelos americanos. Abdenur tentou marcar uma audiência, no mês passado, entre Grassley, e o ministro da Agricultura, Roberto Rodrigues, como parte da estratégia de buscar "terreno comum" aos ruralistas dos dois países. Em viagem, Grassley não pôde receber o ministro. "Mas ele ficou grato pelo interesse; vou procurá-lo, e a outros congressistas", relatou Abdenur. "Nosso empenho é evitar que esse temor em relação ao agribusiness brasileiro se transforme em questão política." A visita de Rodrigues, e de seu secretário-executivo, José Amauri Dimarzio, é um exemplo do estado atual das relações entre os dois países. Os dirigentes do Ministério da Agricultura brasileiro encontraram autoridades da secretaria de Agricultura dos Estados Unidos para tratar dos assuntos bilaterais administrados, desde 2003, por uma comissão binacional. Rodrigues saiu com a promessa de que os casos de aftosa no Amazonas e Pará não interferirão no processo para garantir certificação contra a doença pelos órgãos de controle de importação dos EUA. Dimarzio recebeu um relatório sobre a inspeção americana a frigoríficos brasileiros, que servirá de base para uma possível autorização ao departamento brasileiro de inspeção animal para emitir certificados com validade para os EUA. Na reunião bilateral, os EUA deram sinais de que poderão facilitar a exportação de manga brasileira e informaram que já preparam uma emenda para autorizar importação de mamão papaia da Bahia e Rio Grande do Norte. "A pauta é impressionante, falou-se até de comida para animal doméstico", comentou Abdenur "Nossa filosofia é atacar desde já a questão das barreiras fito-sanitárias, para evitar que empaquemos nelas quando vier a redução de subsídios e a liberação de mercados com as negociações internacionais", explicou. A comissão para agricultura é uma das instâncias criadas pelos dois governos durante a visita do presidente Luiz Inácio Lula da Silva a Washington, no ano passado. Também foram criadas comissões de energia, crescimento e um mecanismo de consultas comerciais. Abdenur reconhece que a aproximação não evita atritos, como as recentes barreiras levantadas contra os camarões exportados pelo Brasil. "Mas precisamos colocar esses conflitos de interesse em perspectiva, tratar deles com firmeza e pragmatismo e não extrapolar, pensar que tornam nossas relações terríveis", argumenta. Segundo Abdenur, a boa vontade com o Brasil é evidente, até no USTR, a representação comercial do governo americano, espécie de ministério do Comércio Exterior. O titular do USTR, Robert Zoellick recebeu de Abdenur, há poucos dias, um relato da disposição brasileira em retomar a discussão da Alca, após as eleições nos EUA (o novo governo toma posse só em janeiro), desde que se mantivessem os termos da negociação firmados em Miami, que prevêem regras genéricas para regras como proteção a investimentos e propriedade intelectual, e a possibilidade de aprofundamento dos compromissos em acordos plurilaterais apenas entre grupos de países que desejarem regras mais firmes (a chamada Alca em dois níveis). "A bola está com os americanos", garante. Ele diz não acreditar que as acusações ao país de desrespeito a patentes, marcas e direitos de autor possam tornar concreta a ameaça de excluir o Brasil do Sistema Geral de Preferências, pelo qual US$ 2,5 bilhões de exportações brasileiras têm tarifas mais baixas ou zeradas O USTR, segundo Abdenur, mostrou que "não aborda o assunto com ânimo belicoso", e as recentes medidas brasileiras de combate às patentes são suficientes para mostrar o interesse e o empenho do Brasil em evitar a pirataria, acredita. Ele adverte, porém, que seria "um erro político", qualquer represália contra o Brasil no SGP.