Título: É hora de cuidar da ampliação da oferta
Autor: Claudia Safatle
Fonte: Valor Econômico, 29/04/2005, Brasil, p. A2

O governo está preocupado com o risco de a economia sofrer uma forte desaceleração e de isso comprometer a campanha pela reeleição. Ministros da área política têm discutido esse quadro com o presidente Lula e defendido que o governo adote, com certa urgência, medidas para incentivar o investimento e a produção. A ação do governo, advogam, tem que ser agora para incentivar a ampliação da oferta de bens e serviços na economia, caso contrário não se sairá do lugar na política de combate à inflação. Há propostas concretas nesse sentido, tais como: antecipar a redução para zero da alíquota do IPI sobre bens de capital que, pelo cronograma oficial, só ocorreria em 2006; ampliar para um mês o prazo para o recolhimento do Imposto de Renda na fonte e, possivelmente, da contribuição previdenciária das empresas, que hoje é semanal, para oxigenar o capital de giro; e, ainda, avançar em alguma desoneração sobre operações de financiamento para investimento, provavelmente com a redução do IOF. São sugestões que têm sido feitas ainda de forma dispersa, mas que têm como foco construir um ambiente favorável para a reeleição de Lula, tema central das conversas e ações de Brasília. "Nos próximos 90 dias temos que ganhar essa Copa e preparar o crescimento de 2006", avalia um ministro que vem conversando sobre isso com Lula. A discussão deriva da inquietação diante do fato de que a política monetária conjugada com a fiscal pode ter levado a economia, no primeiro trimestre, a crescer algo entre zero e 0,5%, em comparação com o trimestre anterior, conquanto a expectativa de inflação para este ano continue crescendo. Ao mesmo tempo que a área política antecipa suas preocupações, na área econômica os sinais de aperto monetário e fiscal prevalecem. O Tesouro Nacional elevou para R$ 26,3 bilhões a meta de geração de superávit primário do primeiro quadrimestre deste ano, uma forte contração no gasto se comparado com a meta do mesmo período de 2004, quando o superávit foi de R$ 19 bilhões. Como até março o superávit foi inferior à pretensão do Tesouro para o quadrimestre, o esforço em abril tem sido redobrado. Isso não muda, formalmente, a meta de superávit de 4,25% do Produto Interno Bruto (PIB) para o ano, mas dá indicações de que ela pode ser elevada na prática. Tudo dependerá do comportamento do nível de atividade. A rigor, hoje, os dados ainda são dúbios, mas a maioria dos analistas está revisando as taxas de crescimento deste ano para a casa dos 3% ou até um pouquinho menos.

Tesouro fixa meta fiscal maior para o quadrimestre

A ata do Copom, por seu lado, deixa janelas e portas abertas para aumentar ou não os juros daqui para a frente. Mesmo com a valorização da taxa de câmbio e com os juros básicos em 19,5%, a expectativa de inflação, segundo pesquisa do Banco Central, cresceu quase meio ponto percentual (0,47 p.p.) nas últimas sete semanas. No debate sobre as razões da resistência inflacionária, levantam-se algumas possibilidades. Ou o "mix" de políticas está desequilibrado (juros, câmbio e fiscal), ou, o que parece mais provável, a inércia inflacionária tem se revelado mais forte do que se imaginava. Se a segunda for a hipótese verdadeira, e a indexação dos preços administrados tem um papel fundamental na formação da inércia, chega-se à conclusão de que, muito possivelmente, a meta de inflação está ambiciosa demais. O que se observa, desde a implantação do regime de metas, em meados de 1999, é que, de fato, a inflação anual não caiu abaixo de 6% de forma sustentada. Não há uma única explicação para esse fato. Houve problemas específicos em cada um desses anos, como a desvalorização cambial, a crise de energia, o choque de preços do petróleo, ou, como agora, os aumentos dos preços de alimentos e a pressão dos administrados. Mas está presente, nesses períodos, uma componente de inércia que pode indicar a necessidade de se redefinir, de buscar de forma mais lenta, a convergência da inflação para a casa dos 4% ao ano. Não seria necessária uma mudança formal das metas de inflação para este ano, 5,1% (ajustada) e para 2006, 4,5% com queda na margem de tolerância de 2,5 pontos percentuais para 2 pontos percentuais. O sistema confere flexibilidade ao Banco Central para alongar o tempo de convergência e isso tem sido usado com freqüência, inclusive o foi no ano passado. Trata-se de uma opção diferente da que o líder do governo no Senado, Aloísio Mercadante, defende. O senador do PT sugere que em junho, quando o Conselho Monetário Nacional se reunir para bater o martelo na meta de 2006 e definir a de 2007, se aumente o centro da meta de 4,5% aprovado para 2006. Há resistências a essa proposta na área econômica do governo, que contra-argumenta alegando que o custo de aumentar a meta pode ser caro demais. Passaria a impressão de que, para o Banco Central, a inflação pode ser qualquer uma, afetando a formação de expectativas e o comportamento dos formadores de preços. E o resultado seria continuar tendo juros elevados para uma taxa de inflação maior. Avalia-se, em áreas importantes do governo, que o trabalho da política monetária - pautada pelo aumento da taxa de juros de forma contínua desde setembro do ano passado para reduzir a demanda agregada - já está praticamente feito. Que a política fiscal não está frouxa e o aumento da meta nominal de superávit para o primeiro quadrimestre representa um reforço substantivo. E que não há muito o que fazer no câmbio. A época das expressivas compras de dólares para reforçar reservas e evitar quedas mais abruptas está encerrada. Está, portanto, mais do que na hora de cuidar do lado da oferta. Esse é o desafio daqui por diante, sob pena de não sair do lugar.