Título: O risco de desprezar a inteligência do eleitor
Autor: Maria Cristina Fernandes
Fonte: Valor Econômico, 29/04/2005, Política, p. A8
O que mais impressiona na mais recente polêmica discursiva do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, é sua capacidade de enfumaçar precisamente aquilo que vai bem em seu governo. Não faltam bandeiras polêmicas ao governo Lula, mas este não é o caso do crédito consignado, iniciativa destinada a figurar no programa de governo de quaisquer de seus adversários em 2006 simplesmente porque deu certo. O programa aliou a necessidade de funcionários públicos, aposentados e de um crescente número de trabalhadores da iniciativa privada saírem das mãos de agiotas com um produto cuja garantia - desconto em folha - permite aos bancos baixar os juros para até 1,5% ao mês. Nos 13 bancos que operam com o produto tem gerente indo a bingo disputar clientes para as linhas de aposentados. O Banco Central informa que o volume operado pelo crédito consignado dobrou nos últimos doze meses e hoje já responde por praticamente 40% dos empréstimos pessoais no país. Não há como negar que esses recursos ajudam a movimentar a economia e Lula até lembrou disso no fatídico discurso. Naquele dia, quando, mais uma vez, dirigiu-se à República como se estivesse numa mesa de bar em São Bernardo do Campo, Lula mais uma vez fez provocação gratuita à classe média usuária de cartão de crédito e cheque especial. Falou como se houvesse dois brasis - aquele da clientela beneficiada por suas políticas e um outro sujeito às taxas do Comitê de Política Monetária (Copom) cujos integrantes são nomeados e demitidos pelo presidente da República. Esse talvez tenha sido seu maior erro - o de discernir aqueles que, injustiçados, são beneficiários de seu governo, de outros que, remediados, têm dificuldades que não lhe dizem respeito. Houve quem comparasse o discurso de Lula ao do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso que chamou aposentados com menos de 50 anos de "vagabundos num país de miseráveis". Ainda não há pesquisas disponíveis sobre os efeitos do disparate de Lula, mas este dificilmente terá o poder de produzir na imagem do presidente o mesmo estrago causado, lá atrás, a FH. Na pesquisa subseqüente à sua declaração, em junho de 1998, o país já estava em franca campanha à reeleição e FH desceu para o mesmo patamar de seu principal adversário, Lula - respectivamente 31% e 30%. Hoje ainda são poucos os pré-candidatos que, numa lista com pelo menos seis nomes, alcançam os dois dígitos numa pesquisa de sucessão presidencial. Em nenhuma delas, Lula aparece com menos de um terço das intenções de voto. A distância da eleição talvez justifique a pulverização, mas o diretor do instituto Vox Populi, Marcos Coimbra, ainda acredita que Lula é favorito em 2006.
Pior do que perder em 2006 é ganhar mal
Diz que FH, José Serra, Ciro Gomes e Anthony Garotinho bateram no teto. Por outro lado, acredita que Cesar Maia, Aécio Neves e Geraldo Alckmin, pela restrita exposição nacional de seus nomes, estão no piso do seu potencial de voto. Coimbra vê na curva de popularidade de Lula uma inversão da retomada iniciada em meados do ano passado. Diz que, assim como o décimo-terceiro e as vendas de Natal costumam melhorar a avaliação de todos os governantes, o início do ano é marcado pela constatação de que o que houve foi a mudança de um dígito, com comércio em retração, impostos e matrículas a pagar. Além disso, some-se a frustração da reforma ministerial que não houve e a eleição de Severino Cavalcanti que ajudou no tom de descrédito difuso com a política. Apesar disso, diz Coimbra, Lula continua maior que seu governo. Nas contas do Vox Populi sua aprovação está em 45% e a de seu governo, em 27%. Ele acredita que o eleitor constata que Lula fez menos do que imaginava mas ainda mas ainda lhe dá o benefício da dúvida. A comparação, diz, ainda é entre os dois de Lula e os oito de FH e, por enquanto, é vantajosa para o atual presidente. Coimbra avalia que o discurso da competência, em que apostam os candidatos que ele diz estarem no piso de sua intenção de voto, pode pegar sim, mas isso não estaria demonstrado até agora. "O eleitor podia até questionar a compaixão de FH, mas não sua competência. E ainda assim não elegeu seu sucessor. Além disso, ninguém votou no Lula por achá-lo mais competente que Serra", diz. O diretor do Vox Populi avalia que o eleitor distingue o grupo que deixou o poder e o que agora manda no país e julga que o atual ainda precisa ter sua chance de mostrar a que veio. E diz que grandes equívocos ainda são cometidos pela estratégia eleitoral que subestima o discernimento do eleitor. Cita a evolução da escolaridade para comprovar sua tese. De 1993 para cá a fatia de eleitores com segundo grau era de 15% e hoje é de 27%. No estrato com educação superior, passou de 5% para 10% do total. É esse eleitorado que, para Coimbra, teria condições de enfrentar um debate mais qualificado em 2006 - "Reeleição é repactuação. Os 53 milhões que votaram no presidente o fizeram achando que ia acontecer alguma coisa. É preciso parar o trem da publicidade e discutir com o eleitor no que o país não está mudando tanto quanto eles gostariam e por que". Coimbra reconhece que esse debate, levado às últimas conseqüências, pode acabar tirando votos de Lula e que pode parecer ingenuidade pedir a quem tem o poder que abra mão dele. Mas questiona se vale a pena uma vitória eleitoral mais folgada abrindo portas para um segundo mandato com perda de legitimidade. "Diria hoje o mesmo que disse para Fernando Henrique em 1998. A reeleição é provável mas o presidente vai sair dela menor do que entrou". Não deu outra. Em agosto de 1999, o primeiro ano do segundo mandato, iniciado sob o signo da desvalorização, FH somou 9 pontos de satisfação - 2 de ótimo e 7 de bom. Imagine o humor do eleitor no governo reincidente de um presidente que atropela com as palavras o pouco que faz de bom.